É ricamente colorido e brilhante, rico em possibilidades e potencial. Sua beleza solta faíscas com uma complexidade de significados. Mas não é o que parece ser. Como o ouro do tolo, a arte de uma nova geração que está surgindo nos Estados Unidos questiona o que tomamos por belo e valioso. Essa geração de artistas norte-americanos está deixando de lado a paixão pela arte de uma geração comprometida socialmente e de base conceitual que dominou o recente cenário artístico norte-americano. Da mesma maneira que a geração pop foi capaz de acabar com a vaidade do academicismo da abstração, essa geração de artistas descobriu que pode renovar o potencial da arte por meio de elementos desvalorizados como a decoração, o artesanato e a invenção obsessiva.

Uma das questões mais inquietantes e difíceis na história da arte do século XX, da arte na era moderna, tem sido definir a relação da arte com a decoração, o artesanato e a beleza. O que Matisse teve de lidar na primeira metade do século está sendo agora aplicado no trabalho de Lari Pittman, com seu pastiche ricamente texturizado e decorado com flores. A beleza e a decoração são uma perigosa faca de dois gumes. Elas atraem o espectador desavisado e, ao mesmo tempo, afastam aqueles que associam beleza e vazio. Uma resposta semelhante ocorreu com a emergente arte pop no início da década de 60 nos Estados Unidos; latas de sopa e histórias em quadrinhos tinham apelo junto ao público leigo, mas o establishment da arte acreditou que lhe faltavam implicações mais profundas. Alguns críticos interpretaram a incorporação da mídia popular, de técnicas comerciais e do design pela arte pop como uma tentativa da geração mais jovem de desviar a atenção da mídia das sérias intenções esboçadas pelo expressionismo abstrato, movimento que a antecedeu.


Como os artistas pop que os precederam, os artistas que estão surgindo em meados da década de 90 utilizam recursos visuais que ignoram as nobres aspirações de seus antecessores. Os artistas de hoje adotam procedimentos das `atividades artesanais´ - como a cerâmica, a tecelagem, o desenho de moda e a ilustração - em um caminho paralelo ao da arte pop, que utilizou técnicas comerciais de impressão, a mídia popular e o design moderno. `Comercial´ e `reprodução´ eram palavras tidas como obscenas naquela época, assim como `decorativo´ e `artesanal´ não fazem parte do vocabulário da dita arte séria. No entanto, jovens e sérios artistas norte-americanos estão entrando nessas áreas, talvez como resposta a um academicismo ou como um produto recente de uma tradição antiga porém ignorada de interesse pela decoração e pela mídia popular evidente na arte norte-americana do século XX.
Hoje, alguns dos melhores e mais brilhantes artistas introduziram uma abordagem intelectual deturpada da arte conceitual em suas explorações em busca do belo e do artesanal. É muito gratificante visitar estúdios onde os artistas têm liberdade para evitar temas políticos e concentrarem-se na criação de apaixonadas identidades narcisistas através de experimentos herméticos em seus mundos fictícios. Trata-se de arte de estúdio, e não de arte pública ou de pesquisa social. Os artistas da nova geração não estão necessariamente resolvendo as intrincadas questões da arte versus decoração, mas certamente estão tentando; estão fazendo isso da maneira menos programática possível, distantes do mainstream.

Como o ouro do tolo, a arte dessa nova geração nos seduz com sua beleza visual. Eles lançam mão das nossas percepções e as viram de cabeça para baixo, como Alice olhando pelo espelho. Os artistas atuais nos revelam mais sobre o que não vemos do que sobre aquilo que se manifesta de maneira tão intensa ao nosso olhar. Não surpreende que uma geração que produziu trabalhos duros, viscerais, politicamente densos, tenha sido substituída por outra que encontrou o caminho para uma revolução estética em qualidades opostas. Gritos clamorosos foram substituídos por esperança, por um doce desejo de enriquecer e de tornar mais nobres tudo o que era considerado trivial ou irrelevante.

Quando Julie Becker voltou ao California Institute of the Arts em 1993, teoricamente para fazer um curso de pós-graduação, na realidade tinha em mente apenas uma coisa - estar em uma situação que lhe permitisse dar continuidade à sua obsessão e a desenvolver pesquisas no tema de sua tese, um local para descansar. A artista mais jovem desse grupo, e a única que ainda não teve contato com o público, Becker é extraordinária em sua preocupação constante e única de criar uma estrutura que dê apoio à sua combinação de fantasias públicas e privadas.

Na década de 80, modelos empíricos de todos os tipos voltaram a emergir, e evidenciaram-se na arte de Chris Burden, Mike Kelley e Thomas Schutte, entre outros. Becker foi ainda mais longe ao virar do avesso a manifestação intelectualizada do modelo da década anterior. Ela utiliza casas de bonecas `colecionáveis´ como se fossem um palco para sua fantasia narrativa atualizando a paixão vitoriana por miniaturas que reproduzem a vida real. Combinando sua própria psique com os estados subjetivos de seus personagens ficcionais, Becker cria ambientes no limiar do sonho e do pesadelo.

Becker, cuja família mudava-se freqüentemente quando ela era pequena, encontrou sua `alma gêmea´ nos personagens de Danny Torrance (do filme O Iluminado, de Stanley Kubrick) e Eloise (de Eloise, de Kay Thompson e Hillary Knight), o personagem infantil que vive sozinho no Plaza Hotel de Nova York. Os quartos que Becker cria para seus amigos imaginários são reproduções específicas de estados alterados da mente, temperados com a própria inquietação psicológica da artista. Ela transforma uma simples casa de bonecas em um brinquedo de psicótica intensidade, rompendo nosso conforto e desfazendo nossas expectativas.

Becker coloca sua casas em miniatura entre dois ambientes de tamanho real, nos quais o público pode caminhar. Um é uma sala de recepção/escritório e o outro uma ante-sala/palco. Isso confunde ainda mais as noções de realidade e ficção. Esses dois ambientes são cenários que funcionam como suportes para o mundo fantástico dos personagens feminino e masculino. Feitos com evidente obsessão, esses trabalhos revelam a ligação direta que existe entre a artista e os medos e as infantilidades de Danny e Eloise.

A área de recepção/escritório/entrada liga-se ao mundo real como a um ponto onde se pode deixar correspondência e disseminar informações. A ante-sala/palco é um quadro vivo do processo de recolher cada papel, cada esboço e documentação de todos os lugares onde Becker viveu e trabalhou durante o intenso período de realização da instalação. Eles estão expostos para que o espectador possa interagir com eles como se fosse uma plataforma dos papéis interpretados por Becker como artista do mundo real e arquiteta de uma inquietante residência imaginária.

Se os artistas pop acreditaram que qualquer coisa podia servir de tema para a arte, não importando sua banalidade, Tom Friedman demonstra que qualquer coisa pode ser usada como material para a arte. Friedman faz arte com coisas que jamais veríamos em uma feira de artesanato num vilarejo qualquer. Usando goma de mascar, pasta de dente, pêlos pubianos, sabonete, aspirinas, fezes, fita autocolante e moscas, esse artista cria coisas que talvez chamemos erroneamente de arte. Trabalhando obsessivamente, ele altera o mais abjeto dos materiais do mundo real, incluindo coisas nas quais sentamos, que comemos, mastigamos, e com que dormimos e recria em três dimensões a profunda banalidade que acostumamos a associar ao uso de imagens bidimensionais da arte pop. Não podemos imaginar Friedman não produzindo arte: somos levados a imaginar quão naturalmente, assim como respirar, seus dedos devem manipular incessantemente qualquer coisa que lhe passe pelas mãos.Assim como o retrato de Mickey Mouse feito por Lichtenstein deve ter parecido absurdo no início da década de 60, as manipulações obsessivas de pó, fezes e palitos de dentes feitas por Friedman podem parecer altamente suspeitas hoje, mas em suas esculturas encontramos uma fusão de noções históricas: uma reverência pela elegância do minimalismo do final da década de 60, uma paixão pelo processo dos pós-minimalistas e um sentido de irreverência e ironia próprio da arte pop. Assim como Katy Schimert, Jim Hodges e outros escultores que participam dessa exposição, as formas de Friedman seguem princípios de crescimento orgânico. Esse crescimento, no entanto, parece ser influenciado por uma lógica extraterrestre que encontra ordem no absurdo. Friedman compartilha com Jennifer Pastor um sentido de extravagância. Enquanto Pastor atua em uma escala gigantesca, Friedman o faz em uma escala microscópica. Quando desmontamos seus trabalhos, quando violamos seu código, por assim dizer, não nos resta nada.

O melhor trabalho de Hodges não é simplesmente bonito. Ele levou a decoração a uma escala obsessivamente grandiosa ao cobrir as paredes de uma galeria com 565 desenhos delicados, ou rabiscos, de flores feitos a caneta. Ele agrupou milhares de flores de seda artificiais produzindo uma espécie de cortina, um tecido fino de algodão arquitetural com padrões decorativos que questionam a beleza e o gosto e desafiam o sublime com o `triunfo da beleza norte-americana´. A tensão tangível entre tema e forma, material e escala, é a fonte da força desse trabalho. Fazer uma teia de aranha com correntes de prata, uma rosa de uma fita autocolante e papel de alcatrão, Hodges dá um sentido irônico aos objetos que, à primeira vista, poderíamos interpretar como poéticos e cheios de desejos. Existe, portanto, um lado diabólico em sua beleza. Assim como Friedman, Hodges combina a prática obsessiva de produzir objetos do pós-minimalismo com uma estética artesanal para, em seu delicado apelo, questionar a validade de fixar limites entre a arte e o trabalho tradicional feminino, incluindo o tricô, o crochê e a produção de colchas. A sentimentalidade poética dos títulos de Hodges tempera a obsessiva extravagância dos objetos transformados por ele.Nunca temos certeza - no trabalho de Jennifer Pastor - se o seu amor pela materialidade das coisas é sincero ou irônico. Embora ela explore um tema clássico da arte tradicional - as quatro estações -, o uso de materiais extravagantemente kitsch em uma escala que beira o gigantismo dá ao trabalho um tom humorístico e transformador. Não se pode dizer que os trabalhos sejam propriamente irônicos, mas a poesia deles questiona a natureza da ironia e do absurdo. Mesmo o título de seu primeiro trabalho já numa fase madura, Bridal Cave, revela a dupla natureza de suas melhores peças. Pastor cria uma tensão entre a beleza pura e uma doentia e doce materialidade, absurdamente rica e nauseantemente madura. Não surpreende, portanto, que como estudante ela tenha adotado as formas do barroco e do rococó, e, ao mesmo tempo, demonstrado uma reverência contida pelo processo artístico pós-minimalista à moda de Eva Hesse. Pastor rompe os limites entre o barroco e o kitsch, entre o bom gosto clássico e o bom gosto do classicismo e seu afastamento da vida contemporânea. Pastor tende a ser nostálgica em esculturas como Untitled (conhecida também como Christmas Flood). Ela trabalhou com a doce lembrança de uma árvore de natal com enfeites absurdamente grandes e em seguida colocou-a sobre uma belíssima fonte de água feita de plástico. A mente da artista parece ter sido permanentemente atraída pelas possibilidades de efeitos especiais de Hollywood. Untitled (Christmas Flood) une de modo convincente o absurdo kitsch de Jeff Koons à materialidade expressiva de Hesse. Pastor faz esculturas verdadeiramente complexas e monumentais que honram tanto as tradições estatuárias barrocas quanto a arte contemporânea e a cultura popular. Apesar da seriedade com que Pastor reverencia a fonte dos materiais que inspiram sua arte, não se pode deixar de notar um brilho em seus olhos quando fala sobre suas inspirações. Numa expressão de excessivo bom humor, ela representa o outono com a fusão de uma bailarina burlesca e uma espiga de milho; sua descrição de Fall, como um `milho-bebê´, fala sobre sua aproximação com as histórias em quadrinhos de Möbius do profano e do sagrado.

Elizabeth Peyton, a única pintora desse grupo, ousa introduzir nostalgia, desenho de moda e pintura a temas que lhe são caros - amigos, músicos contemporâneos e lembranças docemente poéticas de coisas do passado. Ela é mais conhecida por seus delicados retratos do anti-herói do início da década de 90, Kurt Cobain, o último símbolo da juventude perdida e incompreendida. Como a própria artista, esses retratos são ao mesmo tempo irônicos e frágeis em suas iluminações profundamente vivenciadas e questionadoras.

No ginásio, os garotos faziam desenhos heavy metal sobre morte e destruição como uma abordagem estética que culminou nos trabalhos de Richard Prince e Mike Kelley em meados da década de 80. As garotas faziam desenhos de alongadas figuras goticamente atenuadas que representavam o desejo de se assemelhar aos modelos populares da moda. Peyton resgatou a ilustração da terra-do-nunca da propaganda e da mídia popular e a adaptou a uma visão da vida do final do século XX, assim como fez Daumier no século XIX. Ao visitar o estúdio de Peyton, rememoramos a sinceridade apaixonada com que ela explora as ligações entre a sua geração perdida e a de John Lennon e Ludwig de Bavaria, que tiveram dificuldades em lidar com as complexidades de seus respectivos tempos. Sua nostalgia por Cobain é compensada por sua lembrança de John Lennon; à medida que observamos simultaneamente seu trabalho em vários projetos, as canções mais populares dos Beatles e a delicada voz de Lennon preenchem o estúdio superlotado. Como as pinturas de fin-de-siècle dos pintores simbolistas, as composições tonais de Peyton, com suas ricas cores luminosas, revelam sua interioridade e sua ligação empática com seus temas. Esses não são apenas retratos de amigos muito queridos mas também espelhos das emoções da artista.

Os diferentes elementos das investigações de Katy Schimert e as linhas de ligação entre mitologia pessoal, história pública, ciências empíricas e sexualidade subjetiva dão às suas instalações a sensação de uma feira científica que enloqueceu.

Em seu vídeo Future perfect, Schimert funde vários temas em camadas sem seqüências que fazem paralelos com seus trabalhos esculturais. Suas esculturas de pedras lunares feitas de porcelana conceitualmente carregadas e suas evocações da lua em estilo monumental feita de luzes e sombras usando tela de arame e grampos trazem suas lembranças das erosões extremamente evocativas e eróticas dos arenitos do lago Eire, sua nostalgia pela vida norte-americana do final da década de 60 e sua própria fisiologia. Schimert atualiza aspectos do processo artístico pós-minimalista com sua contraparte histórica, o impulso cego da América em levar o homem à lua. A falta de linearidade de sua narrativa deixa o espectador com um quebra-cabeça complexo evocativo, que ressoa com lembranças e significados. Assim como as lembranças de John Lennon de Peyton, Schimert relembra os últimos momentos das aspirações do presidente John F. Kennedy pela supremacia científica e tecnológica norte-americana, que atingiu o clímax com os primeiros passos de Neil Armstrong na lua. Na aspiração da própria artista de apresentar o impossível, a lua é representada por luzes refletidas; rochas lunares aparentemente indestrutíveis são feitas a partir de um delicado acabamento da porcelana; a tradicional linearidade do vídeo é substituída por camadas - que remetem a Picabia - de materiais que não possuem nada em comum, mas cujas fontes estão poeticamente ligadas. Nenhum escultor de baixo-relevo desde Lee Bontecou conseguiu obter tanto de materiais tão frágeis. Um pouco mais à frente, Schimert localiza conceitualmente sua escultura em um contexto ricamente misterioso de associações pessoais e de fragmentos históricos disparatados. Seu vídeo inclui um código para auxiliar o espectador a decifrar o aspecto de multicamadas da sua prática artística. Seu rosto na tela está capturado no círculo da lua; sua boca pronuncia palavras que não podemos ouvir, mas que refletem seu interesse em textos e narrativas. A base histórica em que apóia seu trabalho pode ser vista nas imagens dos primeiros passos de Armstrong na lua, uma comovente imagem que fica guardada para sempre em nossa memória. Nota-se um aspecto muito pessoal e sugestivo no momento em que no vídeo aparece a passagem da luz para a escuridão através de uma lente que passa sobre a lua. Na verdade, trata-se da barriga da própria artista, com seu umbigo formando uma cratera.

Nos trabalhos dessa exposição, o artesanal está imbuído de arte conceitual e a arte conceitual se enriquece com o artesanato obsessivo e tecnicamente exigente. Os artistas compartilham uma paixão pelos materiais e uma abordagem irônica em relação à criação dos objetos. Eles possuem a habilidade de descontruir o artesanal e o processo, e simultaneamente, de evitar o caráter cínico associado, muitas vezes, ao trabalho conceitual mais rigoroso. Apesar de utilizarem aspectos da arte pop, processos pós-minimalistas e da arte conceitual da década de 60 e início da década de 70, essa geração reintroduz a arte pela arte - e por eles - em um momento onde muito mais é esperado. Tendo saído do espaço público e voltado para a hermética privacidade do estúdio, a nova arte nos Estados Unidos da década de 90 revive os ideais pré-modernos da beleza e da expressão pessoal.

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