| Por Bruce Hainley
Praticamente nada: a arte de Tom Friedman Texto extraído de Artforum, 1995
Em um determinado momento Jane Bowles escreveu a seu marido, o querido Bupple: "Sempre me esqueço do que as pessoas acreditam que deva ser o ato de escrever". Ela já havia publicado um romance, Two serious ladies, que, decidiu, "não era, afinal, um romance". Esqueceu-se de como era um romance e passou a confundir o casamento com marriage blanc. Mais tarde, esqueceu-se da gramática do presente e do futuro e passou a autografar volumes de suas coletâneas como "Jane Bowles, a morta". O que será que Bowles aprendeu ao esquecer-se de tudo - será que aquilo ardia ou era tão calmante quanto um bálsamo?
Tenham presente que ela não estava fazendo um elogio da ignorância, que isso não é um elogio da ignorância, apesar de ser um elogio de algo como aprender a ser ignorante. Ou esquecer de se lembrar.
Tom Friedman se esquece do que a arte deveria ser. Espaguete, chiclete, pasta de dente, pêlos púbicos, sabão, aspirina, cocô, fita adesiva. Talvez ele não acredite que esteja produzindo arte e que todos estão errados ao classificar assim seu trabalho. Talvez seu trabalho seja mais interessante do que a própria arte. Talvez a arte lhe dê dor de cabeça. Ele esquece o que ela é ao não lembrar o que espaguete, chiclete, pasta de dente, pêlos púbicos, sabão, aspirina, cocô e fita adesiva devem ser convencionalmente e apenas deixá-los assim. Tudo passa a ser quase nada. A delicada massa de trigo de Loop, 1993/95 - uma única caixa de macarrão -, é feita de pedaços de talharim cujas extremidades são coladas umas às outras; a doce pústula cor-de-rosa introduzida com força no canto, em Untitled, de 1990, poderia ser a pele de um ovo ou um furúnculo, mas é apenas chiclete moldado em forma de esfera; a calma geometria natatória de Untitled, 1989, torna-se perspicaz quando se cheira suas ondas de menta azulada; a espiral sobre uma superfície de alabastro que remete às rotativas giratórias de Rrose Sélavy (a própria Rrose existindo somente como uma assinatura ou uma reprodução de alguém que nunca existiu) é feita de pêlos púbicos sobre um pedaço de sabão. O que é limpo faz relembrar a sujeira, e a cura relembra a dor. Relembrar algo subitamente é ao mesmo tempo doce e amargo, pois você de repente se lembra que esqueceu - tropicalidades inteiras, lentos corpos inteiros, abrasões tenras. Friedman esculpiu sua cabeça, um pequeno auto-retrato, feito em uma pílula de aspirina, aliviando assim a pulsação do seu eu enquanto fazia a reprodução. Ele obtém uma elegância formal e precisa, apesar de suas esculturas não se afastarem muito do que eram antes e mesmo do que nunca foram. Em Untitled, 1993/94, o corpo de Friedman flutua de barriga para cima contra o teto como se fosse uma ambígua nuvem de desejo, uma suspensão fotográfica entre o logro e o milagre, que, caso eu não tenha esquecido, é o lugar em que a arte e a vida acontecem.
O corpo teima em voltar sempre, mesmo que você não queira. Tente apagá-lo. Tente limpá-lo. Tente fazê-lo tornar-se apresentável. Sempre há algo não apresentável nele. Há pessoas e coisas que se apresentam de tal modo que fazem com que você queira machucá-las. Às vezes é preciso grande poder de contenção para evitar isso. Não acho que essa contenção seja uma coisa bonita, mas acredito que seja importante. Creio não estar sozinho com relação a essa convicção. Às vezes, no final da tarde, o fato de exercer contenção sobre uma violência tão deliciosa faz com que eu me sinta mais próximo dos outros, próximo o suficiente para atingi-los.
A primeira vez que vi uma peça de Tom Friedman, ela nem estava lá. Não sabia disso mas gostei mesmo assim. Voltei para vê-la novamente e lá estava ela, um pouco de sua merda, em forma de esfera, colocada sobre um pedestal branco, quadrado e sem ornamentos - antes eu havia visto somente o pedestal - e gostei mais ainda. A peça não estava lá antes porque alguém havia sentado nela e a levado embora. Gostei especialmente dela ao saber disso (substituir a peça não foi problemático - havia muito mais em seu lugar de origem). No MoMa, alguns dias depois da exibição da obra de Friedman, Untitled, de 1994, uma vagem feita de bolas de fita adesiva - semelhantes a furúnculos -, algumas pessoas passaram por cima da peça. Sei que fizeram isso de propósito. Acharam a peça tão linda que tinham de estragá-la. Viram nela algo tão inquietante - eles mesmos - que precisavam destruí-la. Esqueceram-se de que ela não desapareceria. A ambigüidade não está lá - não há nada de inseguro ou de ingênuo na técnica de Friedman - e ao mesmo tempo está sempre lá, e ver seu trabalho nos sugere que a delicadeza doméstica da ambigüidade pode ser a tarefa de todos nós, de tudo.
Jane Bowles certa vez descreveu algo como "tão terrível e excitante que quase vomitei". Essa confusão surge sempre nas esculturas de Friedman. Ele mapeia a vertigem circulando entre as coisas como elas são e como não são. Ele já se deteve no tédio e encontrou a insanidade, fatos tão evidentes que perdem sua evidência. Sua intrigante peça Everything, 1992/95, contém todas as palavras de um dicionário. Contém 'tudo' e 'nada', mas será que você está olhando para as palavras ou para o vazio que existe entre elas?
Ele mostrará a você como tudo é feito de nada.
Coisas, pensamentos, beleza existem porque a possibilidade de sua aniquilação contagia tudo à sua volta.
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| Nasceu em 1965, em St. Louis, Estados Unidos. Obteve seu MFA na University of Illinois em 1990 (escultura) e o título BFA na Washington University em 1988 (ilustração gráfica). Vive em Conway, Massachusetts, Estados Unidos.
Exposições individuais
1996 Feature, Nova York, Estados Unidos. 1995 Projects 50: Tom Friedman, Museum of Modern Art, Nova York, Estados Unidos. 1994 Galleria Raucci/Santamaria, Nápoles, Itália; Galerie Analix, Genebra, Suíça. 1993 Feature, Nova York, Estados Unidos; Esra and Cecile Zilka Gallery, Wesleyan University, Middletown, Estados Unidos. 1992 Bonzak Gallery, St. Louis, Estados Unidos. 1991 Feature, Nova York, Estados Unidos; Southeastern Center for Contemporary Art, Winston-Salem , Estados Unidos; Rezac Gallery, Chicago, Estados Unidos. 1990 University of Illinois Gallery, Chicago, Estados Unidos. 1989 Artists on the Corner Gallery, St. Louis, Estados Unidos. 1988 Washington University Gallery, St. Louis, Estados Unidos. 1987 Artists on the Corner Gallery, St. Louis, Estados Unidos.
Exposições coletivas
1996 Affinities: Chuck Close and Tom Friedman, Art Institute of Chicago, Estados Unidos; Stretch the Truth, Nice, França; More Than Real, Royal Palace, Caserta, Itália; Subversive Domesticity, Ulrich Museum of Art, Wichita State University, Wichita, Estados Unidos. 1995 Strung Into the Apollonian Dream..., Feature, Nova York, Estados Unidos; I Gaze a Gazely Stare, Feature, Nova York, Estados Unidos; Oltre la Normalità Concentrica, Palazzo da Zara, Pádua, Itália; lo-fi, Lauren Wittels, Nova York, Estados Unidos; Pulp Fictions: Works on Paper, Gallery A, Chicago, Estados Unidos; B/w photos, Feature, Nova York, Estados Unidos. 1994 Three Persons Exhibition, com Jim Isermann e Jennifer Pastor, Richard Telles Fine Art, Los Angeles, Estados Unidos; Percept/image/object, Lannan Foundation, Los Angeles, Estados Unidos; Objects: Tom Friedman and Linda Horn, Evanston Art Center, Evantons, Estados Unidos; Critial Mass, A&A Gallery, Yale University School of Art, New Haven, Estados Unidos; Dallas Artists Research and Exhibition, The McKinney Avenue Contemporary, Dallas, Estados Unidos; Galerie Jennifer Flay, Paris, França; Common/Uncommon, Gahlberg Gallery, College of DuPage, Glen Ellyn, Estados Unidos; Rien a Signaler, Galerie Analix, Genebra, Suíça. 1993 The American Academy Invitational Exhibition of Painting and Sculpture, American Academy of Arts and Letters, Nova York, Estados Unidos; Mixed Messages: A Survey of Recent Chicago Art, Forum for Contemporary Art, St. Louis, Estados Unidos; Times, Anderson O'Day Gallery, Londres, Inglaterra; Substitute Teachers, Sadie Bronfman Cultural Center, Montreal, Canadá; New Works, Feigen, Inc., Chicago, Estados Unidos; Once Upon A Time... A Loose Form of Narrative, Gallery A, Chicago, Estados Unidos; Jeanne Dunning, Tom Friedman, Julia Fish: Subject Matters, Kendall College Art Gallery, Grand Rapids, Estados Unidos. 1992 Hair, John Michael Kohler Arts Center, Sheboygan, Estados Unidos; Healing, Wooster Gardens, Nova York, e Rena Bransten Gallery, San Francisco, Estados Unidos; Misadventures, Foster Gallery, University of Wisconsin, Eau Claire, Estados Unidos; Lying on the Top of a Building the Clouds Seemed No Nearer Than When I Was Lying in the Street, Galerie Monika Sprüth, Colônia, Alemanha; The Mud Club, Winchester Cathedral & Lake Nairobi, Galhberg Gallery, College of DuPage, Glen Ellyn, Estados Unidos; Feigen, Inc., Chicago, Estados Unidos. 1991 Casual Ceremony, White Columns, Nova York, Estados Unidos; White Bird, Gallery 400, University of Illinois, Chicago, Estados Unidos; Itch, N.AM.E.Gallery, Chicago, Estados Unidos. 1990 Looking at Labor: What Price Beauty, Randolph Street Gallery, Chicago, Estados Unidos; The Thing Itself, Feature, Nova York, Estados Unidos; Godhead, Feature, Nova York, Estados Unidos; Minus, Robbin Lockett Gallery, Chicago, Estados Unidos. 1988 Hillel House, St. Louis, Estados Unidos; Artists on the Corner Gallery, St. Louis, Estados Unidos; Wittenberg Gallery, St. Louis, Estados Unidos.
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