.

Instalação
Detalhe da maquete: área de Danny. Maquetes e embalagens de geladeira, aprox. 610X914 cm

 


Instalação
Detalhe: vista das maquetes (térreo e andar superior). Área de recepção localizada no painel esquerdo, na área frontal


Instalação
Detalhe: parte posterior da área de recepção e corredor que leva à área central

 



Julie Becker

Por Chris Kraus

Researches, Residents, a Place to Rest, de Julie Becker, é um local de atormentada diversão. É um teatro mágico do próximo século. Como toda a arte de qualidade, sua obra antecipa inferências filosóficas por ser intensamente viva, por ser um espaço de redirecionamento de figuras de linguagem não mais utilizadas, de talismãs muito apreciados e de associações culturais. Seu laboratório tornou-se um campo eletrizado, isto é, um universo posto em atividade por um cientista louco (ou talvez - uma vez que Becker não faz nenhum esforço para escapar de sua própria identidade como uma Jovem Séria - uma bibliotecária que desviou da rota padrão) e que desapareceu misteriosamente. No entanto, ao contrário das construções de caixas mágicas do romancista Paul Auster, cujo trabalho pode ser comparado ao de Becker, embora em termos superficiais, Researchers and Residents oferece um mistério do qual todo o charme e mistificação romântica foram retirados.

Os diários de duas crianças, Danny Torrance e Eloise, são os protagonistas dessa instalação. Os habitantes ausentes não chegam a falar. São os quartos vazios contendo objetos espalhados que constituem as versões da artista do mundo das bonecas que falam pelas crianças (Sophie Calle encontra Barbie em um SRO?) e as anotações gerais desesperançadas de um pesquisador residente. As crianças, porém, por meio de seus diários, falam conosco utilizando suas `próprias´ palavras.

As duas crianças são criações da cultura pop americana. Eloise é da década de 50, a heroína privilegiada de um livro de histórias que tem por cenário o melhor hotel de Nova York. A Eloise original, um preciso ícone de um tempo em que se pensava que os privilégios podiam ser transferidos, relata com entusiasmo seu prazer em utilizar o serviço de quarto ("Eles sempre sabem que sou eu!"). Em Residents, porém, Eloise faz confidências a respeito de sua vida interior: "Você acredita", escreve Eloise em seu diário bem-organizado, "que as pessoas dizem as coisas mais imbecis para conseguir aquilo que querem?" Em seguida ela faz uma lista de palavras-chave para espalhá-las em suas cartas de amor:

"pureza
DESESPERO
CRIATURA
Vontade
até o fim do mundo
solidão
Ruínas
Tentação
Diferenças
Semelhanças
Confiança
Juntos como se fossem um só
Especial
Se fazer amar
Para sempre..."

Danny Torrance surgiu pela primeira vez no filme O iluminado de Stanley Kubrick. Nesse filme de muito sucesso, Jack Nicholson interpreta um romancista cujo emprego como gerente de um hotel em uma estação de férias durante o inverno o libera e ele se torna um assassino psicopata. Seu filho Danny é uma criança que é resultado da década de 70 onde as ameaças eram maiores e a repressão menos articulada. O diário de Danny, criado por Julie Becker, é uma excursão ao horror e é muito mais amedrontador do que o filme.

O diário tem início assim: "Querido Tony, hoje o papai foi procurar trabalho em um hotel nas montanhas. O que será que vai acontecer se ele conseguir o emprego? Ele nunca pergunta o que eu acho do lugar para onde vão me levar".

Qual é o ponto de convergência das vidas internas de Danny e Eloise? Será que são alter egos de Becker? E o que significam as embalagens de geladeiras que estão na galeria? E a feia oficina onde uma velha estação de rádio toca surdamente como se estivesse criando música de fundo para uma cena de crime?

"Algo está errado aqui." O sucesso de Residents está em sua cinematicidade. Não existem alter egos. Tudo e todos são o artista-diretor, refratados em pedaços e reinventado na história.

Uma vontade e uma inteligência extraordinárias.



Depoimento sobre o Projeto

Researchers, Residents, a Place to Rest organiza a galeria em três espaços diferentes. O primeiro, logo à entrada da galeria, é um pequeno local de recepção: uma área normalmente utilizada para espera, recebimento de correspondência e mensagens, local de encontro dos visitantes; um local intermediário que conduz à segunda área da instalação por meio de um corredor estreito. O espectador se defronta primeiro com duas estruturas um pouco acima do solo. Essas estruturas incluem aspectos de um modelo de arquitetura, uma linha de trem em miniatura e um laboratório com caminhos tortuosos. Essas estruturas, no entanto, não se relacionam em escalas coerentes. Uma parte do modelo reproduz a área de recepção, a entrada de uma galeria. As outras áreas apresentam as instalações para habitação e pesquisa dos `researchers and residents´ sugeridos no título da obra.

Nenhuma figura humana está representada, porém são muitos os reflexos de suas atividades: manuscritos datilografados e diários espalhados pelo chão, sacos de dormir e portas de madeira prontas para serem colocadas, o jornal The New York Times dobrado numa página do caderno de classificados, um cartaz de atletas das Olimpíadas meio pendurado na parede. Será uma colônia de artistas? Será o edifício Bradbury (tal como foi visto no filme BladeRunner) transformado em albergue para jovens? Uma colônia penal? Um hotel? A questão de quem habita/habitou esse espaço fica em aberto deliberadamente - talvez se trate de personagens imaginários, marginais, invasores, crianças brincando ou talvez do próprio espectador. O espaço central restante da galeria é ocupado por embalagens de geladeiras: criam um espaço temporário que poderia ser usado por crianças para encenar fatos de sua imaginação ou abrigos para pessoas que as procurem com o objetivo de obter proteção. Assim como o modelo, sua presença sugere uma `saída´ ou um caminho para outro local.

A terceira seção da instalação (`backside/flipside´) é um workshop obsessivo, um armazém ou uma biblioteca repleta de pistas abstratas, evidenciando o frustrante processo que a criação da instalação implicou: pilhas de notas sobre o projeto (versões superadas do projeto), perfis `científicos´ de personalidades, desenhos dos planos, fachadas e labirintos, páginas dos diários de Eloise (uma menina que vive sozinha no Plaza Hotel de Nova York) e de Danny Torrance (o menino do filme O Iluminado, de Stanley Kubrick), mensagens gravadas entre "Danny Torrance hoje" e um vidente denominado Voxx, o som baixo das alegres músicas pop das décadas de 50 e 60 transmitidos pela estação K-Earth 101- Los Angeles e itens ainda mais estranhos que permitem ao espectador olhar através deles, ouvi-los ou perder-se em seu interior.

A instalação cria situações que remetem a labirintos e múltiplas formas com que o espectador pode entrar e sair, através das quais eles podem ter acesso a informações e assimilá-las, criar conexões, descobrir novas pistas assim como construir ou encontrar eventos narrativos. Esse projeto baseia-se em imagens míticas de culturas populares assim como em outras, criadas pela artista. A instalação brinca com a possibilidade de revelar os mecanismos da mente, oferecendo ao espectador uma `área de descanso´ da noção do mundo como um todo (o mundo sendo a instalação maior); ela oferece a oportunidade de desvendar ou refletir sobre charadas cuja solução final não está escrita em lugar nenhum.



Cronologia


Nasceu em Los Angeles, Estados Unidos, em 1972. Freqüentou o California Institute of Arts de 1993 a 1995, onde obteve seu MFA. Entre 1989 e 1993 fez seu BFA na mesma universidade.