.

Vista da instalação exibida no Museum Moderner Kunst
1994. Palácio Liechtenstein, Viena

 


Triptychos Post Historicus
1987. Parte um: "Marat Assassiné", de Jacques Louis David, 1793; parte dois: banheira usada por François Perrin; parte três: ovo. Musée Saint-Denis, Reims


Citizens of Sarajevo
1993. Técnica mista. Instalação na Bienal de Veneza. Coleção Museum Moderner Stiftung Ludwig, Viena

 



Braco Dimitrijevic

Por Olivier Zahm, citado de Art Press 144, 1990, pp. 25-27.

"Não há erros na História, toda a História é um erro"
Braco Dimitrijevic, 1969

Encontramos na origem de sua obra, uma rejeição à História como um cenário falso, que aprisiona, em segundo plano, com a convicção essencial de que essa relação limitante acaba por determinar nosso modo de ser no mundo aqui e agora. Ou melhor, receber a História passivamente, sem olhar crítico, também é uma maneira de não reconhecer o presente, de concebê-lo somente como um tempo que passará, um tempo que já passou, uma anestesia....

Para Dimitrijevic o presente não é um acontecimento inconsistente de uma História que se pretende objetiva. Sua postura vai contra um presente cuja verdade estaria na História, isto é, em um cenário redutor e falso, recomposto posteriormente. Essa destituição da História, porém, não faz da volta ao presente um poder absoluto, um novo dogma contemporâneo que substitua o que o precedeu e que deva ser celebrado como tal. O presente não é nem vazio nem glorioso, mas deve sempre ser descoberto, reinventado.

Em seu Tractatus post-historicus 1, ensaio escrito em 1974, Dimitrijevic coloca na essência de sua proposta a noção de pós-história, abordada ao mesmo tempo como relação inédita com o passado e uma abertura em direção à própria contemporalidade de um presente em pleno desenvolvimento. A pós-história não é o fim da História, mas um resgate não-histórico do tempo; é a própria condição do surgimento da noção de contemporaneidade. Posição teórica e estética que desacredita, antes mesmo de seu sucesso intelectual, a tese pós-moderna dos anos 80 que fez do fim da História o tempo sem sentido do simulacro, do acontecimento sem conseqüências, da virtualidade. Sua posição também é uma reação contra os `modernos´ e acirrados defensores da História em sua versão desabusada e nostálgica, retorno à época da razão, uma releitura e o fato de colocar tudo em cheque...

É, por um lado, o fascínio por um futuro completamente livre de abordagens históricas e, por outro, uma nostalgia das origens. (...) A arte de Dimitrijevic escapa a essa dupla desorganização, uma vez que ele não concebe o fim da História como final (pós-moderno) ou como origem (moderno), mas pensa nele como um espaço de liberdade, local de ocorrência de uma relação com o presente, síntese imaginativa da História e da contemporaneidade captada em sua diversidade e em seu futuro múltiplo.

A partir de 1975 Dimitrijevic passa a fazer intervenções em museus. No museu de Mönchen-gladbach, coloca sobre um pedestal uma obra de Max Roedr com uma placa com os dizeres: "Esta poderia ser uma obra-prima". O museu adquiriu, assim, uma peça que já era sua. (...) Retomar o domínio de sua história: a contemporaneidade é a síntese criativa da História e da atualidade.

Com a série Triptychos Post Historicus Dimitrijevic inventa uma sintaxe em três planos: o `tríptico´ compreende um quadro célebre (que pertença ao museu), um objeto (que não pertença sempre a alguém em especial) e um produto da terra (frutas, legumes, às vezes animais). A combinação em um mesmo espaço-tempo de uma obra de Malévitch, de uma bicicleta holandesa e um melão; de um Picabia, um armário e um coco. Choque de valores contraditórios (a estética, a utilização e a natureza); choque de temporealidades antagônicas (a História, o cotidiano, o ciclo de apodrecimento) e curtos-circuitos semânticos... Os `trípticos´ são supergeradores de rupturas semânticas que produzem reações em cadeia na história da arte.

A pós-história, entendida como "conjunção de pontos de vista por meio de múltiplos eixos com critérios suficientemente abertos para permitir a coexistência de valores diferentes e muitas vezes contraditórios", é, nesse sentido, uma reapropriação do Museu e da História e não a retomada, citação e repetição de uma linguagem anterior.

"Prefiro citar do que roubar como se faz correntemente hoje em dia, quando exploramos um estilo anterior sem fazer nenhuma menção à fonte." Pois a pós-modernidade também é uma relação de mal-estar com o passado, incapaz de assimilar, hoje, o próprio ato de pintar. Trata-se de uma relação muda com o passado, pois é incapaz de extrair dele uma linguagem cotidiana: "Simples variação formal de uma mesma fórmula conceitual", para usar as palavras de Dimitrijevic.

Com seus Triptychos Post Historicus o museu não expõe mais a História, mas exprime a época. Trata-se de uma posição contemporânea por excelência no próprio seio da instituição cultural, pois o contemporâneo funciona com choques, não com ruptura (moderno), com fissura e não com fusão (pós-moderno), com confrontação e não com revolução (ainda moderno), com a descoberta e não com o novo (sempre pós-moderno...).

O que Dimitrijevic formula não é nada mais do que a mais alta exigência da arte atual, a da invisibilidade ou da não-contemporaneidade. Dupla resistência do artista contemporâneo ao reconhecimento retiniano ou ao efeito flash da pós-novidade: "Desejo um estilo tão neutro quanto possível, uma espécie de escrita do universo", reinvindica ele, e por "escrita do universo ele compreende o conjunto de todos os diferentes estilos dispersos na História e no tempo"2. Dimitrijevic é um dos raros artistas - se não o único - a afirmar claramente que a arte superou o estágio de sua evolução formal. Que tudo já foi feito, e que agora seria infrutífero recomeçar infinitamente a História já terminada das formas, assim como seria desonesto fazer com que se acredite na sua evolução. Resta, em compensação, acabar a História, isto é, exprimir o presente, manifestar sua mais alta intensidade. E o que é a pós-história segundo Dimitrijevic senão a exigência de um sentido contemporâneo, de uma relação plena com a época? Isso vai contra a pretendida era do vazio, contra a desorganização do desenvolvimento desumano3 e, ainda, contra a esterilidade formal dos simulacros e das simulações do real, última versão da novidade moderna, pura fetichização das formas já mortas.

Com Dimitrijevic, a contemporaneidade se revela um arranjo pós-histórico, uma abertura para o presente conduzido pelo mundo. Não uma representação ou instauração de uma época, mas o surgimento de sua maior amplitude.


1. Tractatus post-historicus, Edition Dacic, Tubingen.
2. Entrevista in Des Arts n. 5, Inverno de 86/87.
3. J.F. Lyotard, L´inhumain, Causeries sur le temps. Galilée, 1988.



Cronologia


Braco Dimitrijevic nasceu em Sarajevo em 1948. Sua primeira exposição individual ocorreu em 1958, quando tinha 10 anos. Entre 1968 e 1971 estudou na Academy of Fine Arts em Zagreb. De 1971 a 1973 cursou pós-graduação na St. Martin´s School of Art, em Londres. Obteve em 1971/72 bolsa de estudos do British Council e em 1976/77 obteve bolsa de estudos do DAAD em Berlim. Em 1979 recebeu o prêmio Jean-Dominique Ingres concedido pela Académie de Muséologie Evocatoire. Em 1992 recebeu o título Knighthood for Arts - Chevalier des Arts et des Lettres em Paris. Foi professor convidado na Slade School of Art, em Londres; na Hochschule für die Bildenden Künste, em Berlim; International University of Kita-Kyushu, no Japão; Melbourne Polytechnics; Sidney School of Visual Arts; Art Academies em Hamburgo e Kassel; École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris.


Exposições individuais

1996
Kunsthalle, Düsseldorf.
1995
Hess Isches Landesmuseum Darmstadt.
1994
Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwing, Viena, Áustria; Israel Museum, Jerusalém, Israel; Galerie de France, Paris, França.
1993
Galerie Artlogos, Nantes, França; Musée National de Lascaux, França.
1992
Galerie Albert, Bruxelas, Bélgica.
1991
Galerie de Paris, França; Winnipeg Art Gallery, Canadá; Fondación San German, Porto Rico.
1990
Pat Hearn Gallery, Nova York, Estados Unidos; Nicole Klagsbrun, Nova York, Estados Unidos; Ronny Van der Velde, Antuérpia, Bélgica.
1989
Galerie de Paris, França; Institute of Modern Art, Brisbane, Austrália; Queensland Art Gallery, Brisbane, Austrália.
1988
Halles d´Arts Contemporain, La Criée, Rennes, França; Outdoor Retrospective 1968-1988, Interim Art, Londres, Inglaterra; Nicole Klagsbrun, Nova York, Estados Unidos.
1987
Galerie de Paris, França; Le Consortium, Dijon, França; Hilman Holland Fine Arts, Atlanta, Estados Unidos; Wilhelm-Hack-Museum, Ludwigshafen, Alemanha.
1986
Galerie Ingrid Dacic, Tübingen, Alemanha.
1985
Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Galerie Philomene Magers, Bonn, Alemanha.
1984
Museum Ludwing, Colônia, Alemanha; Kunsthalle, Berna, Suíça; Galerie Marika Malacorda, Genebra, Suíça.
1983
Zoo, Sarajevo, Bósnia & Herzegóvina.
1981
Waddington Galleries, Londres, Inglaterra.
1980
Tvornica Petar Velebit, Belgrado, Iugoslávia.
1979
Badischer Kunstverein, Karlsruhe, Alemanha; Stedelijk van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda; Kunsthalle, Tübingen, Alemanha; ICA, Londres, Inglaterra.
1978
Centre d´Art Contemporain, Genebra, Suíça; Galerie MTL, Bruxelas, Bélgica.
1977
Galerie Hetzler/Keller, Stuttgart, Alemanha; Robert Self Gallery, Londres, Inglaterra.
1976
Galleria Gian Enzo Sperone, Turim, Itália; Galerie René Block, Berlim, Alemanha; Kabinett für Aktuelle Kunst, Bremerhaven, Alemanha.
1975
Sperone Gallery, Nova York, Estados Unidos; Palais des Beaux Arts, Bruxelas, Bélgica; Städtlisches Museum, Mönchen-Gladbach, Alemanha; Galerija Nova, Zagreb, Croácia; Robert Self Gallery, Londres, Inglaterra.
1974
Galleria Gian Enzo Sperone, Turim, Itália; Galleria Françoise Lambert, Milão, Itália.
1973
Galerija Suvremene Umjetnosti, Zagreb, Croácia; Situation Gallery, Londres, Inglaterra.
1972
Situation Gallery, Londres, Inglaterra; Galerie Konrad Fischer, Düsseldorf, Alemanha.
1971
Galleria Lucio Amelio, Nápoles, Itália.
1970
Aktionsraum I, Munique, Alemanha; Vein Frankopanska 2a, Zagreb, Croácia; Galerija 212, Belgrado, Iugoslávia.
1969
Galerija Studentskog Centar, Zagreb, Croácia.
1958
Galerija RU Duro Dakovic, Sarajevo, Croácia.


Exposições coletivas

1996
Wadsworth Atheneum, Hartford, Estados Unidos; NowHere, Louisiana Museum of Modern Art, Estados Unidos; Exhibition of Visual Art, Limerick, Irlanda.
1995
SITE Santa Fé, Sante Fé, Estados Unidos; Kwangju Biennale, Coréia do Sul.
1994
Kommentar zu Europa, Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwing, Viena, Áustria; L´Art du Portrait en France, Shoto Museum, Tóquio, Japão; L´Artiste à la Place de l´Oeuvre, Centre des Expositions de Moscou, Rússia; The Ossuary, Luhring Augustine Gallery, Nova York, Estados Unidos; Europa-Europa, Bundeskunsthalle, Bonn, Alemanha.
1993
La Biennale di Venezia, Itália.
1992
Documenta n. 9 de Kassel, Alemanha; Manifeste, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, França.
1991
Fotografie als Kunst im Öffenflichen Raum, Orangerie, Munique, Alemanha; Scuola d´Obligo, Pescara, Itália.
1990
La Biennale di Venezia, Itália; Rhetorical Image, New Museum of Contemporary Art, Nova York, Estados Unidos.
1989
Prospect 89, Frankfurter Kunstverein, Kunsthalle Schirn, Frankfurt, Alemanha; Magiciens de la Terre, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou & Grande Halle de la Villette, Paris, França.
1988
Kunst der Letzten 20 Jahre, Staadtlische Galerie, Karlsruhe, Alemanha; Balkon mit Fächer, Akademie der Jünste, Berlim, Alemanha.
1987
Foundation Lucio Amelio, Grand Palais, Paris, França.
1986
The Biennale of Sidney, Austrália.
1985
Promenades, Centre d´Art Contemporain, Genebra, Suíça; Biennale of Piece, Kunsthaus, Hamburgo, Alemanha.
1983
New Art, Tate Gallery, Londres, Inglaterra.
1982
La Biennale di Venezia, Itália; Aspects of British Art Today, Metropolitan Art Museum, Tóquio, Japão.
1980
Kunst in Europa na `68, Museum van Hedendaagse Kunst, Gent, Bélgica; British Art 1940-1980, Hayward Gallery, Londres, Inglaterra; Mein Kölner Dom, Kölnischer Kunstverein & Museum Ludwig, Colônia, Alemanha; Monuments-Denkmal, Kölnischer, Colônia, Alemanha.
1979
The Biennale of Sidney, Austrália; Art Council Award Winners, Seprentine Gallery, Londres, Inglaterra; Accrochage III, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, França.
1978
Record as Artwork, Museum of Contemporary Art, Chicago, Estados Unidos; Museum des Geldes, Kunsthalle, Düsseldorf, Alemanha; Stedelijk van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda.
1977
Documenta n. 6 de Kassel, Alemanha; Berlim in New York, Galerie Denise René, Nova York, Estados Unidos.
1976
La Biennale di Venezia, Itália.
1975
Aprilski festival, Galerija SKC, Belgrado, Iugoslávia.
1974
Project `74: Kunst Bleibt Kunst, Wallraf-Richartz-Museum, Colônia, Alemanha.
1973
Tendencije 5, Zagreb, Croácia; Contemporanea, Roma, Itália.
1972
Documenta n. 5 de Kassel, Alemanha.
1971
7e Biennale de Paris, França; At the Moment, Vein Frankopanska 2a, Zagreb, Croácia.