| Por Olivier Zahm, citado de Art Press 144, 1990, pp. 25-27.
"Não há erros na História, toda a História é um erro" Braco Dimitrijevic, 1969
Encontramos na origem de sua obra, uma rejeição à História como um cenário falso, que aprisiona, em segundo plano, com a convicção essencial de que essa relação limitante acaba por determinar nosso modo de ser no mundo aqui e agora. Ou melhor, receber a História passivamente, sem olhar crítico, também é uma maneira de não reconhecer o presente, de concebê-lo somente como um tempo que passará, um tempo que já passou, uma anestesia....
Para Dimitrijevic o presente não é um acontecimento inconsistente de uma História que se pretende objetiva. Sua postura vai contra um presente cuja verdade estaria na História, isto é, em um cenário redutor e falso, recomposto posteriormente. Essa destituição da História, porém, não faz da volta ao presente um poder absoluto, um novo dogma contemporâneo que substitua o que o precedeu e que deva ser celebrado como tal. O presente não é nem vazio nem glorioso, mas deve sempre ser descoberto, reinventado.
Em seu Tractatus post-historicus 1, ensaio escrito em 1974, Dimitrijevic coloca na essência de sua proposta a noção de pós-história, abordada ao mesmo tempo como relação inédita com o passado e uma abertura em direção à própria contemporalidade de um presente em pleno desenvolvimento. A pós-história não é o fim da História, mas um resgate não-histórico do tempo; é a própria condição do surgimento da noção de contemporaneidade. Posição teórica e estética que desacredita, antes mesmo de seu sucesso intelectual, a tese pós-moderna dos anos 80 que fez do fim da História o tempo sem sentido do simulacro, do acontecimento sem conseqüências, da virtualidade. Sua posição também é uma reação contra os `modernos´ e acirrados defensores da História em sua versão desabusada e nostálgica, retorno à época da razão, uma releitura e o fato de colocar tudo em cheque...
É, por um lado, o fascínio por um futuro completamente livre de abordagens históricas e, por outro, uma nostalgia das origens. (...) A arte de Dimitrijevic escapa a essa dupla desorganização, uma vez que ele não concebe o fim da História como final (pós-moderno) ou como origem (moderno), mas pensa nele como um espaço de liberdade, local de ocorrência de uma relação com o presente, síntese imaginativa da História e da contemporaneidade captada em sua diversidade e em seu futuro múltiplo.
A partir de 1975 Dimitrijevic passa a fazer intervenções em museus. No museu de Mönchen-gladbach, coloca sobre um pedestal uma obra de Max Roedr com uma placa com os dizeres: "Esta poderia ser uma obra-prima". O museu adquiriu, assim, uma peça que já era sua. (...) Retomar o domínio de sua história: a contemporaneidade é a síntese criativa da História e da atualidade.
Com a série Triptychos Post Historicus Dimitrijevic inventa uma sintaxe em três planos: o `tríptico´ compreende um quadro célebre (que pertença ao museu), um objeto (que não pertença sempre a alguém em especial) e um produto da terra (frutas, legumes, às vezes animais). A combinação em um mesmo espaço-tempo de uma obra de Malévitch, de uma bicicleta holandesa e um melão; de um Picabia, um armário e um coco. Choque de valores contraditórios (a estética, a utilização e a natureza); choque de temporealidades antagônicas (a História, o cotidiano, o ciclo de apodrecimento) e curtos-circuitos semânticos... Os `trípticos´ são supergeradores de rupturas semânticas que produzem reações em cadeia na história da arte.
A pós-história, entendida como "conjunção de pontos de vista por meio de múltiplos eixos com critérios suficientemente abertos para permitir a coexistência de valores diferentes e muitas vezes contraditórios", é, nesse sentido, uma reapropriação do Museu e da História e não a retomada, citação e repetição de uma linguagem anterior.
"Prefiro citar do que roubar como se faz correntemente hoje em dia, quando exploramos um estilo anterior sem fazer nenhuma menção à fonte." Pois a pós-modernidade também é uma relação de mal-estar com o passado, incapaz de assimilar, hoje, o próprio ato de pintar. Trata-se de uma relação muda com o passado, pois é incapaz de extrair dele uma linguagem cotidiana: "Simples variação formal de uma mesma fórmula conceitual", para usar as palavras de Dimitrijevic.
Com seus Triptychos Post Historicus o museu não expõe mais a História, mas exprime a época. Trata-se de uma posição contemporânea por excelência no próprio seio da instituição cultural, pois o contemporâneo funciona com choques, não com ruptura (moderno), com fissura e não com fusão (pós-moderno), com confrontação e não com revolução (ainda moderno), com a descoberta e não com o novo (sempre pós-moderno...).
O que Dimitrijevic formula não é nada mais do que a mais alta exigência da arte atual, a da invisibilidade ou da não-contemporaneidade. Dupla resistência do artista contemporâneo ao reconhecimento retiniano ou ao efeito flash da pós-novidade: "Desejo um estilo tão neutro quanto possível, uma espécie de escrita do universo", reinvindica ele, e por "escrita do universo ele compreende o conjunto de todos os diferentes estilos dispersos na História e no tempo"2. Dimitrijevic é um dos raros artistas - se não o único - a afirmar claramente que a arte superou o estágio de sua evolução formal. Que tudo já foi feito, e que agora seria infrutífero recomeçar infinitamente a História já terminada das formas, assim como seria desonesto fazer com que se acredite na sua evolução. Resta, em compensação, acabar a História, isto é, exprimir o presente, manifestar sua mais alta intensidade. E o que é a pós-história segundo Dimitrijevic senão a exigência de um sentido contemporâneo, de uma relação plena com a época? Isso vai contra a pretendida era do vazio, contra a desorganização do desenvolvimento desumano3 e, ainda, contra a esterilidade formal dos simulacros e das simulações do real, última versão da novidade moderna, pura fetichização das formas já mortas.
Com Dimitrijevic, a contemporaneidade se revela um arranjo pós-histórico, uma abertura para o presente conduzido pelo mundo. Não uma representação ou instauração de uma época, mas o surgimento de sua maior amplitude.
1. Tractatus post-historicus, Edition Dacic, Tubingen. 2. Entrevista in Des Arts n. 5, Inverno de 86/87. 3. J.F. Lyotard, L´inhumain, Causeries sur le temps. Galilée, 1988.
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| Braco Dimitrijevic nasceu em Sarajevo em 1948. Sua primeira exposição individual ocorreu em 1958, quando tinha 10 anos. Entre 1968 e 1971 estudou na Academy of Fine Arts em Zagreb. De 1971 a 1973 cursou pós-graduação na St. Martin´s School of Art, em Londres. Obteve em 1971/72 bolsa de estudos do British Council e em 1976/77 obteve bolsa de estudos do DAAD em Berlim. Em 1979 recebeu o prêmio Jean-Dominique Ingres concedido pela Académie de Muséologie Evocatoire. Em 1992 recebeu o título Knighthood for Arts - Chevalier des Arts et des Lettres em Paris. Foi professor convidado na Slade School of Art, em Londres; na Hochschule für die Bildenden Künste, em Berlim; International University of Kita-Kyushu, no Japão; Melbourne Polytechnics; Sidney School of Visual Arts; Art Academies em Hamburgo e Kassel; École Nationale Supérieure des Beaux-Arts, em Paris.
Exposições individuais
1996 Kunsthalle, Düsseldorf. 1995 Hess Isches Landesmuseum Darmstadt. 1994 Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwing, Viena, Áustria; Israel Museum, Jerusalém, Israel; Galerie de France, Paris, França. 1993 Galerie Artlogos, Nantes, França; Musée National de Lascaux, França. 1992 Galerie Albert, Bruxelas, Bélgica. 1991 Galerie de Paris, França; Winnipeg Art Gallery, Canadá; Fondación San German, Porto Rico. 1990 Pat Hearn Gallery, Nova York, Estados Unidos; Nicole Klagsbrun, Nova York, Estados Unidos; Ronny Van der Velde, Antuérpia, Bélgica. 1989 Galerie de Paris, França; Institute of Modern Art, Brisbane, Austrália; Queensland Art Gallery, Brisbane, Austrália. 1988 Halles d´Arts Contemporain, La Criée, Rennes, França; Outdoor Retrospective 1968-1988, Interim Art, Londres, Inglaterra; Nicole Klagsbrun, Nova York, Estados Unidos. 1987 Galerie de Paris, França; Le Consortium, Dijon, França; Hilman Holland Fine Arts, Atlanta, Estados Unidos; Wilhelm-Hack-Museum, Ludwigshafen, Alemanha. 1986 Galerie Ingrid Dacic, Tübingen, Alemanha. 1985 Tate Gallery, Londres, Inglaterra; Galerie Philomene Magers, Bonn, Alemanha. 1984 Museum Ludwing, Colônia, Alemanha; Kunsthalle, Berna, Suíça; Galerie Marika Malacorda, Genebra, Suíça. 1983 Zoo, Sarajevo, Bósnia & Herzegóvina. 1981 Waddington Galleries, Londres, Inglaterra. 1980 Tvornica Petar Velebit, Belgrado, Iugoslávia. 1979 Badischer Kunstverein, Karlsruhe, Alemanha; Stedelijk van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda; Kunsthalle, Tübingen, Alemanha; ICA, Londres, Inglaterra. 1978 Centre d´Art Contemporain, Genebra, Suíça; Galerie MTL, Bruxelas, Bélgica. 1977 Galerie Hetzler/Keller, Stuttgart, Alemanha; Robert Self Gallery, Londres, Inglaterra. 1976 Galleria Gian Enzo Sperone, Turim, Itália; Galerie René Block, Berlim, Alemanha; Kabinett für Aktuelle Kunst, Bremerhaven, Alemanha. 1975 Sperone Gallery, Nova York, Estados Unidos; Palais des Beaux Arts, Bruxelas, Bélgica; Städtlisches Museum, Mönchen-Gladbach, Alemanha; Galerija Nova, Zagreb, Croácia; Robert Self Gallery, Londres, Inglaterra. 1974 Galleria Gian Enzo Sperone, Turim, Itália; Galleria Françoise Lambert, Milão, Itália. 1973 Galerija Suvremene Umjetnosti, Zagreb, Croácia; Situation Gallery, Londres, Inglaterra. 1972 Situation Gallery, Londres, Inglaterra; Galerie Konrad Fischer, Düsseldorf, Alemanha. 1971 Galleria Lucio Amelio, Nápoles, Itália. 1970 Aktionsraum I, Munique, Alemanha; Vein Frankopanska 2a, Zagreb, Croácia; Galerija 212, Belgrado, Iugoslávia. 1969 Galerija Studentskog Centar, Zagreb, Croácia. 1958 Galerija RU Duro Dakovic, Sarajevo, Croácia.
Exposições coletivas
1996 Wadsworth Atheneum, Hartford, Estados Unidos; NowHere, Louisiana Museum of Modern Art, Estados Unidos; Exhibition of Visual Art, Limerick, Irlanda. 1995 SITE Santa Fé, Sante Fé, Estados Unidos; Kwangju Biennale, Coréia do Sul. 1994 Kommentar zu Europa, Museum Moderner Kunst, Stiftung Ludwing, Viena, Áustria; L´Art du Portrait en France, Shoto Museum, Tóquio, Japão; L´Artiste à la Place de l´Oeuvre, Centre des Expositions de Moscou, Rússia; The Ossuary, Luhring Augustine Gallery, Nova York, Estados Unidos; Europa-Europa, Bundeskunsthalle, Bonn, Alemanha. 1993 La Biennale di Venezia, Itália. 1992 Documenta n. 9 de Kassel, Alemanha; Manifeste, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, França. 1991 Fotografie als Kunst im Öffenflichen Raum, Orangerie, Munique, Alemanha; Scuola d´Obligo, Pescara, Itália. 1990 La Biennale di Venezia, Itália; Rhetorical Image, New Museum of Contemporary Art, Nova York, Estados Unidos. 1989 Prospect 89, Frankfurter Kunstverein, Kunsthalle Schirn, Frankfurt, Alemanha; Magiciens de la Terre, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou & Grande Halle de la Villette, Paris, França. 1988 Kunst der Letzten 20 Jahre, Staadtlische Galerie, Karlsruhe, Alemanha; Balkon mit Fächer, Akademie der Jünste, Berlim, Alemanha. 1987 Foundation Lucio Amelio, Grand Palais, Paris, França. 1986 The Biennale of Sidney, Austrália. 1985 Promenades, Centre d´Art Contemporain, Genebra, Suíça; Biennale of Piece, Kunsthaus, Hamburgo, Alemanha. 1983 New Art, Tate Gallery, Londres, Inglaterra. 1982 La Biennale di Venezia, Itália; Aspects of British Art Today, Metropolitan Art Museum, Tóquio, Japão. 1980 Kunst in Europa na `68, Museum van Hedendaagse Kunst, Gent, Bélgica; British Art 1940-1980, Hayward Gallery, Londres, Inglaterra; Mein Kölner Dom, Kölnischer Kunstverein & Museum Ludwig, Colônia, Alemanha; Monuments-Denkmal, Kölnischer, Colônia, Alemanha. 1979 The Biennale of Sidney, Austrália; Art Council Award Winners, Seprentine Gallery, Londres, Inglaterra; Accrochage III, Musée National d´Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, França. 1978 Record as Artwork, Museum of Contemporary Art, Chicago, Estados Unidos; Museum des Geldes, Kunsthalle, Düsseldorf, Alemanha; Stedelijk van Abbemuseum, Eindhoven, Holanda. 1977 Documenta n. 6 de Kassel, Alemanha; Berlim in New York, Galerie Denise René, Nova York, Estados Unidos. 1976 La Biennale di Venezia, Itália. 1975 Aprilski festival, Galerija SKC, Belgrado, Iugoslávia. 1974 Project `74: Kunst Bleibt Kunst, Wallraf-Richartz-Museum, Colônia, Alemanha. 1973 Tendencije 5, Zagreb, Croácia; Contemporanea, Roma, Itália. 1972 Documenta n. 5 de Kassel, Alemanha. 1971 7e Biennale de Paris, França; At the Moment, Vein Frankopanska 2a, Zagreb, Croácia.
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