| Por Goran Tomcic
Casa Morta
Nossa vida é breve; estamos sempre nos referindo aos séculos que precederam ou que se seguirão ao nosso, como se fossem totalmente estranhos a nós, mas eu me aproximei deles com minha brincadeira com as pedras. Estas paredes que reforço ainda estão quentes devido ao contato com corpos que desapareceram; mãos que ainda não nasceram acariciarão as hastes destas colunas. Quanto mais meditei sobre a minha morte, e especialmente sobre a morte de outra pessoa, mais tentei acrescentar às nossas vidas essas extensões virtualmente indestrutíveis. Em Roma preferi usar nosso tijolo resistente; ele volta, embora, lentamente, para o solo, de onde veio, e seu assentamento e destruição imperceptíveis formam uma volumosa massa mesmo quando a construção visivelmente já não serve mais aos objetivos para o qual foi construída - uma fortaleza, um circo, uma tumba. Na Grécia e na Ásia escolhi o mármore nativo, aquela bela substância que, depois de cortada, continua tão fiel às medidas e proporções feitas pelo homem que todo o projeto de um templo sobrevive em cada fragmento de uma coluna quebrada.1
As questões levantadas pela análise das referências da artista não podem ser encerradas nos limites ou nas problemáticas de gênero e nem mesmo nos da história da arquitetura e da cenografia ocidentais. Como ela própria admitiu, suas paredes são as representações de uma representação do discurso ocidental. Em outras palavras, os seus primeiros trabalhos - esculturas de tijolos com lados duplos - foram feitos sem que ela se preocupasse com o discurso da perspectiva ocidental. Durante muito tempo ela esteve interessada na perspectiva como paradigma, "como o paradigma de algo na ordem representativa com implicações que recaem sobre "qual é o caso", sobre o que está em pauta, em questão, o que por si só traz a indagação: "Was der Fall ist".2 Este paradigma ainda está presente na sua obra, mas agora como um meio de contar as histórias.
Em 1994 Potrc começou uma série de alegorias perceptivas de fachadas especificamente urbanas montadas no interior de uma galeria. Diferentes de suas paredes com lados duplos que não permitiam ao observador uma "contemplação verdadeira", a nova série de paredes intitulada Territories e Panoramas têm caráter descritivo, podendo ser vista como representações. Com a série Territories, a artista também passou a inserir figuras humanas no espaço da representação. A figura humana representa o papel do contador de histórias, pois sua presença está ligada ao fato de contar uma história ou à personificação de algum ditado específico relativo à parede que ela incluiu em sua série Territories. Dessa forma, a artista assume diretamente sua própria teatralidade. Ao distanciar seu trabalho (como ela mesma afirma: "Não faço objetos. Construo paredes".) da herança do modernismo e especialmente do minimalismo norte-americano e seu discurso da categoria friediana da "teatralidade", Potrc procura referências na história da representação escultural pré-renascentista. Do mesmo modo, suas abordagens urbanas de panoramas da arquitetura se prefiguram de acordo com a cenografia clássica, mas, em função de sua necessidade de construir cenários panorâmicos, essas mesmas abordagens também se constituem em um campo imaginativo no qual o conceito se articula na forma de uma ausência ou falta de algo.
No verão de 1995 Potrc produziu uma instalação para uma localidade específica, Breathing Facade, para o projeto Urbanaria em Liubliana. O projeto consistia em dois alto-falantes instalados na fachada do no 11 da rua Cankarjeva, uma agitada rua do centro da cidade. Uma vez que os alto-falantes foram instalados no topo do segundo andar da fachada, os transeuntes não os notavam à primeira vista. Mas podiam ouvi-los. A cada hora a fachada dava "um forte suspiro". Em seguida quem passava podia ouvir sons provenientes de dentro e de fora do edifício. A maioria ficava apreensiva com os súbitos ruídos do novo projeto de lados duplos: uma personificação da fachada real da cidade.
As recentes instalações de Potrc, Budapest e New Tork Territories, presas a uma parede da galeria Lombard-Freid, em Nova York, são uma alegoria da simbiose entre o corpo humano e a arquitetura. A postura da pessoa que toca essa parede colocando a mão no buraco deixado intencionalmente pela artista é uma personificação do poema de Walt Whitman "The city dead-house". A artista optou por aplicar esse poema para enfatizar a clássica interligação entre o corpo humano e a arquitetura. A pessoa ligada à parede de Nova York, com as suas mãos no buraco, lê: (...) Depositaram seu corpo não reivindicado, ele está sobre o pavimento úmido feito de tijolos, A mulher divina, seu corpo. Vejo o corpo, só eu o estou vendo, Aquela casa outrora cheia de paixão e de beleza, não noto mais nada, Nem a paralisação tão fria, nem a água que jorra da fonte, nem odores mórbidos me impressionam, mas somente a casa - aquela maravilhosa casa - aquela delicada e bela casa - aquela ruína!"
Ironicamente, na época da sua instalação em Nova York, um prédio de apartamentos de quatro andares no nœmero 349 da East 54th Street em Manhattan desmoronou, deixando entrever, em cada andar, as cortinas dos banheiros e, o que é mais importante, deixando seus habitantes sem moradia. Um dos moradores, que estava em casa no instante do desmoronamento, comentou: "Ouvi reboco caindo como se fosse pedaços de tinta caindo de dentro da parede. Comecei a vestir meus sapatos e em seguida ouvi um barulho, não muito forte, mas um barulho, e aí os encanamentos começaram a estourar. Então um dos homens da construção ligou e disse: Saiam todos. O prédio está caindo!"3
A estrutura teatral das paredes de Potrc é "similar a tela": um sistema construído para que o olho faça com que a ausência se torne presente, para decifrar o sistema que sublinha o texto em forma de escultura. Uma vez que a artista constrói suas paredes Territories de acordo com o método narrativo em oposição ao discurso formal de suas primeiras esculturas, ela aborda o tema do conhecimento literário. Ao mesmo tempo aborda motivos e temas da vida cotidiana. Devemos sempre ter em mente que stat rosa pristina nomina, nomina nuda tenemus, a personificação do Tempo abordada por suas paredes está inserida sob o nome de Aion ("Estável Eternidade") em oposição ao nome de Saturno, o destruidor:
"A cena de Sarajevo destruída, a cena que podemos facilmente montar através das imagens televisivas, remete-nos de forma inevitável a um homem deitado em certa posição que tenta levantar sua cabeça: Man-Sarajevo". 4
Potrc nunca construiu Sarajevo Territory; ela não foi a Sarajevo para instalar seu Territory naquela cidade. Este Man pode ser qualquer outro homem. Para mencionar apenas as paredes já formadas em uma "parede imaginária", este Man também é o Man-Skofja Loka, Celje, Ptry, Villach, Ljubljana, Stuttgart, Tonsberg, Budapeste, Trieste, Bochum, Washington D.C., Nova York, Moscou, Annandale-on-Hudson.
A artista é atraída pelo uso de formas que já existem, sejam elas velhas ou novas. Há muitos exemplos na história da arquitetura que demonstram a personificação do corpo humano na parede. A própria parede colecionou um arquivo de significados ontológicos ao longo da história da civilização. Revelar essa herança é a preocupação básica da série Territories.
1. Marguerite Yourcenar, Memoirs of Hadrian, traduzido do francês por Grace Frick em colaboração com a autora (Nova York; Farrar, Straus & Giroux, 1954), p. 127. 2. Hubert Damisch, The Origin of Perspective, traduzido por John Goodman (Cambridge, London: the MIT Press, 1994), p. 90. 3. Bruce Weber, Residents can retrieve items After Collapse in The New York Times, 20 de março, 1996, p. 83. 4. Bogdan Bogdanovic, Mesto in Smrt (Urbis morientis imago), Iz srbscine prevedla Mojca Sostarko, (Celovec-Salzburg: Zalozba Weiser, 1995), p. 50 (traduzida pelo autor para este ensaio).
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| Vive e trabalha em Liubliana, Eslovênia
Exposições individuais
1996 Theatrum Mundi, Lombard-Freid Fine Arts, Nova York, Estados Unidos; Emerson Gallery, MacLean Project for the Arts, Vancouver, Estados Unidos; Center for Curatorial Studies, Bard College, Annandale-on-Hudson, Nova York, Estados Unidos. 1995 Galerie Freihausgasse, Villach, Áustria; Architektur-Skulptur, Ifa-galerie, Stuttgart, Alemanha; Haugar Vestfold Museum, Tonsberg, Noruega; Urbanaria, Soros Center for Contemporary Arts, Liubliana, Eslovênia. 1994 Art Gallery, Celje, Eslovênia; Grohar Gallery, Skofja Loka, Eslovênia; regional Museum, Ptuj, Eslovênia. 1993 Biennale di Venezia, Pavilhão eslovênio, Atteneo San Gasso Gallery, Itália. 1992 Arnold & Porter, Washington DC, Estados Unidos; School 33 Art Center, Baltimore, Estados Unidos. 1989 Student Center Gallery, Zagreb, Croácia. 1988 Mala Gallery, Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia. 1987 SKUG Gallery, Liubliana, Eslovênia.
Exposições coletivas
1996 The Collection of the Parasite Museum, Museum Bochum, Alemanha. 1995 House in time, Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia; The Collection of the Parasite Museum, Mücsarnok, Budapeste, Hungria; Sculpture Space: 20 years, exposição itinerante em dois locais: Munson Williams Proctor Institute, Ática, Estados Unidos. 1994 Material & Substance, Allegheny College Art Galleries, Meadville, Estados Unidos; U3, Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia. 1993 La Coesistenza dell'Arte, Biennale di Venezia, Procuratie Vecchie, Itália. 1992 Inteferenzen VII, Museum d. 20 Jahrhunderts, Viena, Áustria; View from Baltimore to Washington, University of Maryland Art Place, Blatimore, Estados Unidos. 1990 Expressions, Third Eye Centre Gallery, Glasgow, Escócia; Disclosed Images, Ernest Museum, Budapeste, Hungria; Art Annale, Diokletian Palace, Split, Croácia. 1989 Experience of the object, Museum of Modern Art, Liubliana, Eslovênia; Trigon 89, Nue Galerie, Kunstlerhaus, Graz, Áustria; Yugoslav Documenta 89, Sarajevo, Bósnia; Disclosed Images, Szombathely Gallery, Szombathely, Hungria. 1987 3rd Biennial of Young Artists from Mediterranean Countries, Barcelona, Espanha.
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