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Vazio
1996. Escultura. Mármore de carrara, azeite e cabos de aço, 435x180x25 cm. Foto: Fernando Chaves

 


Línguas (detalhe)
1992. Madeira e bronze, 715X650X35 cm. Coleção do artista. Foto: João Bosco


Sem título
1995. Criança e ferro. Foto: Vicente de Mello

 



Nelson Felix

Por Paulo Sergio Duarte
Rio de Janeiro, abril de 1996


A Evidência da Forma

A vocação discursiva da arte conceitual é, às vezes, compensada e até mesmo superada pela sua evidência plástica. Inteligência e mundo sensível, nesses casos, se atraem. Esse encontro se torna mais interessante quando a virtude cognitiva e racionalizadora do conceito é substituída, com acuidade, pela justaposição de elementos inusitados sugerindo o absurdo, ainda que nele não se concentre. Não se trata de colecionar paradoxos, mas de realizar na forma e na matéria o exercício de atração entre elementos que, dispersos no mundo, só poderiam se aproximar na arte. Sabemos que essa foi uma das grandes invenções de Lautréamont, de Roussel, de Breton e de seus amigos surrealistas. Magritte aperfeiçoou ainda mais esse dispositivo da inteligência artística. Hoje, esse recurso tornar-se-ia simples macete se não fosse usado com talento, humor e ironia. E mais: se não incorporasse os ensinamentos da própria história da arte acumulada nesse século.

O trabalho de Nelson Felix realiza esse movimento num contexto que chamamos, por enquanto, de pós-conceitual. O que seria esse lugar de onde Nelson produz sua arte? É uma posição que sabe que, na arte, a inteligência do discurso não pode substituir a exigência do testemunho plástico, da evidência da forma. Dito hoje, isso parece óbvio, mas recuemos apenas pouco mais de duas décadas para lembrarmos do espaço ocupado pelo movimento Art & Language ou por Joseph Kosuth e distinguirmos a diferença desse novo (ou velho ?) terreno.

Uma das manobras de Nelson Felix é escolher formas orgânicas, tal como se apresentam nos livros de medicina, e, mudando sua escala, transformá-las em esculturas. As glândulas endócrinas, responsáveis pela secreção de hormônios, foram objeto desse gênero de operação de Nelson. É interessante examinarmos esses trabalhos à luz do conhecido procedimento de Claes Oldenburg, o dos 'objetos gigantes' ou dos seus 'projetos para monumentos colossais', observando as semelhanças e oposições.

Oldenburg captura objetos do cotidiano e transforma-os, hiperdimensionando-os, para, segundo o artista, "satisfazer o desejo animal que precede a beleza" ("Beastly desire precedes beauty. Beauty is weak without its origin in beastly desire"). Essa metamorfose, que mantém a identidade imediata da imagem familiar, mas altera brutalmente nossa experiência sensorial com o que, na aparência, parecia trivial, é a poética pop de elevada voltagem de Oldenburg. Não apenas a mudança de escala contribui para o efeito, mas os materiais escolhidos pelo artista serão um componente de igual importância no jogo. O ponto de partida é o senso comum e a coleção de coisas que vai habitá-lo; a chegada é o absurdo que se pode esconder na imagem vulgar. Essa orientação vetorial que com freqüência se repete na obra de Oldenburg se confunde com sua forma de "beleza bestial", para usar seus próprios termos.

As esculturas de Nelson Felix utilizam esse mesmo movimento, mas, também, no sentido invertido - antes um eixo de mão dupla do que um vetor -, cuja direção será usada conforme o caso. No caso das imagens orgânicas, encontramo-nos com formas estranhas de grande porte, carregadas de uma aparência expressiva que se tansformam com o aditivo do discurso esclarecedor de sua origem: foram seqüestradas de ilustrações científicas. Elas nos habitam, não como memória de coisas do cotidiano da sociedade de consumo, mas como partes de nosso próprio corpo reveladas por uma moderna lição de anatomia. Mas, além de seu aspecto morfológico, cumprem funções reguladoras do metabolismo, da vida sexual e, indiretamente, da vida mental e emocional, e ainda nos ensinam a medicina. Em Nelson Felix, ao contrário de Oldenburg, partimos da aparência estranha para uma forma animal que nos pertence sem o sabermos. Seu modelo natural é incorporado a um mundo de imagens, hoje tão comum quanto o dos sanduíches, móveis ou sorvetes do artista pop: o da vulgarização científica. Mas, deslocadas dos livros sérios ou das enciclopédias distribuídas em fascículos e transformadas, elas ganham uma dimensão plástica autônoma.

Operação inversa ocorre com as pequenas imagens de Buda sentado, fundidas em metal, que, multiplicadas, sustentam grandes esculturas de forma abstrata em madeira. Agora, o que encontramos em grandes dimensões em templos orientais se torna uma miniatura. O uso da imagem do fundador de uma religião que tem como uma das suas questões centrais a relação entre o que parece ser e o que é verdadeiramente real, como 'bases' de escultura, é irônico. Incorporada ao trabalho, a imagem de Buda também está representando, pelo menos em uma das suas variantes religiosas da escola Mahäyäna, a Mädhyamika - a doutrina niilista do vazio -, ou seja, as pequenas imagens seriam esculturas que se apóiam sobre o nada.

O livre trânsito de imagens que circulam pelo prestígio da ciência e de sua ideologia no mundo contemporâneo, ou pela força de sua contrapartida, o misticismo oriental, contamina, com humor, o trabalho com ingredientes da confusão moderna. O talento de Nelson Felix se encontra em emancipar a forma dando-lhe uma individuação onde esses elementos e o discurso, tão necessário à arte conceitual de algum tempo atrás, se tornam acessórios engraçados. O trabalho se impõe, independente dessas histórias, pela sua evidência plástica, pela inteligência e generosidade de seu espaço.

Rio de Janeiro, abril de 1996



Cronologia


Nasceu em 13 de março de 1954 no Rio de Janeiro. Estudou com Ivan Serpa em 1971 e em 1977 graduou-se em arquitetura pela Universidade Santa Úrsula. Vive e trabalha em Mury, Nova Friburgo, Rio de Janeiro.


Exposições individuais

1996
Galeria Paulo Fernandes, Rio de Janeiro, Brasil.
1995
Galeria Luísa Strina, São Paulo, Brasil; Galeria Milan, São Paulo, Brasil.
1994
Perth Institute of Contemporary Art, Perth, Austrália.
1993
Museu de Arte de São Paulo, Brasil; Galeria Paulo Fernandes, Rio de Janeiro, Brasil.
1990
Galeria Luísa Strina, São Paulo, Brasil; Porão das Artes, Secretaria da Cultura de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil.
1989
Galeria Charles Sablon, Paris, França.
1988
Galeria Luísa Strina, São Paulo, Brasil; Galeria Saramenha, Rio de Janeiro, Brasil.
1986
Galeria Saramenha, Rio de Janeiro, Brasil.
1984
Galeria Paulo Figueiredo, São Paulo, Brasil.
1983
Galeria Paulo Klabin, Rio de Janeiro, Brasil.
1980
Galeria Jean Boghici, Rio de Janeiro, Brasil.


Exposições coletivas

1996
Coleção Carioca, João Bosco, Espaço Cultural dos Correios, Rio de Janeiro, Brasil; Mesas, Funarte, Rio de Janeiro, Brasil.
1995
Oco, vídeo, Galeria Sergio Porto, Rio de Janeiro, Brasil; Centro Cultural Itaú. São Paulo, Brasil.
1993
Emblemas do Corpo, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de janeiro, Brasil; 100 Anos de Modernidade, Coleção Sergio Fadel, Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro, Brasil; A Caminho de Niterói II, Coleção João Sattamini, Paço Imperial, Rio de Janeiro, Brasil; Estranha Inquietude, Galeria Paulo Fernades, Rio de Janeiro, Brasil; Um Olhar sobre Joseph Beuys, Museu de Artes de Brasília, Brasil.
1992/93
Sculptures Latino-Américaines, Centre Culturel Mexicain, Paris, França; A Caminho de Niterói, Coleção João Sattaminio, Paço Imperial, Rio de Janeiro, Brasil.
1991
Brasil: la Nueva Generación, Museo de Bellas Artes, Caracas, Venezuela; Stand Galeria Luísa Strina, Basiléia, Suíça; Blancs Dominants, Galerie Charles Sablon, Paris, França.
1990
O Rosto e a Obra, Galeria do IBEU, Rio de Janeiro, Brasil: Stand Galeria Luísa Strina, Colônia, Alemanha.
1989
Rio Hoje, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil.
1988
Brazil 10, Memphis College of Art, Estados Unidos; Cumming Art Center, Connecticut, Estados Unidos; University Art Gallery, Califórnia, Estados Unidos; Grinther Gallery, Flórida, Estados Unidos; Prichard Gallery, Idaho, Estados Unidos; Sonoma Art Gallery, Califórinia, Estados Unidos; Avant Première, Galerie Charles Sablon, Paris, França.
1987
Scott Hanson Gallery, Nova York, Estados Unidos; Second International Art Fair, Los Angeles, Estados Unidos; Entre 2 Séculos, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil; Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil.
1986
III Trienal de Desenho, Hunsthalle in der Norishalle, Germansches National Museum, Nuremberg, Alemanha; Seleção da III Trienal de Desenho, Gurlitt Museum, Viena, Áustria; First International Art Fair, Los Angeles, Estados Unidos; Na Ponta do Lápis, Galeria da UFF, Niterói, Rio de Janeiro.
1985
Velha Mania, Parque Laje, Rio de Janeiro, Brasil; 3 Foragidos, Galeria de Arte da UFES, Vitória, Brasil; 26 Artistas, Galeria Paulo Klabin, São Paulo, Brasil; VII Salão Nacional de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil
1984
Retrato e Auto-retrato da Arte Brasileira, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil; Como vai Você, Geração 80? Parque Laje, Rio de Janeiro, Brasil; Panorama 84, Arte sobre Papel, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil; Brasil Desenho, exposição itinerante em várias cidades brasileiras.
1983
IX Mostra do Desenho Brasileiro, Fundação Cultural de Curitiba, Brasil; VI Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil.
1982
Coleção Gilberto Chateaubriand, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal.
1981
Coleção Gilberto Chateaubriand, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil.
1980
Grupo Configuração, exposição itinerante em três locais: Palácio das Artes, Belo Horizonte, Brasil; Fundação Cultural de Curitiba, Brasil; Fundação Cultural do Distrito Federal, Brasília, Brasil.
1979
II Salão Nacional de Artes, Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil; III Salão Carioca de Artes, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, Brasil.
1978
Artistas Cariocas, Fundação Bienal de São Paulo, Brasil; Desenho 78, Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, Brasil.
1976
I Salão Universitário de Artes Plásticas, Funarte, Rio de Janeiro, Brasil; IX Salão de Maio, SBBA, Rio de Janeiro, Brasil.


Prêmios e bolsas

1995
A prefeitura do Rio de Janeiro realizou o vídeo Oco, sobre suas esculturas, com direção de Luís Felipe de Sá, para a série de vídeo RioArte-Arte Contemporânea.
1994
Prêmio de melhor exposição de escultura do ano, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, São Paulo, Brasil; Artista em residência na Curtin University, Perth, Austrália; Artista em residência em Karratha College, Karratha, Austrália.
1991
Bolsa Vitae de Arte.
1989
Bolsa do Ministério da Cultura da França, pela primeira exposição em Paris, França; Prêmio de melhor exposição de desenho do ano, Associação Paulista de críticos de Arte, São Paulo, São Paulo, Brasil.
1979
Segundo prêmio no II Salão Carioca de Arte, Ministério da Educação e Cultura, Rio de Janeiro, Brasil.
1976
Segundo prêmio de Artes Plásticas, Funarte, Rio de Janeiro, Brasil; Menção honrosa no XI Salão de Maio, SBBA, Rio de Janeiro, Brasil.


Coleções

Nynex Corporation, Nova York, Estados Unidos;
Fond National d'Art Contemporain, Paris, França;
Museu de Arte Moderna, Rio de Janeiro, Brasil;
Museu Nacional de Belas-Artes, Rio de Janeiro, Brasil;
Funarte, Rio de Janeiro, Brasil;
Banco Real, Rio de Janeiro, Brasil.