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Cerâmica e Cinzas (detalhe)
1995. Instalação com cerâmica, aprox. 500X400X40 cm. Trabalho iniciado no European Ceramic Work Centre, Hertogenbosch, Holanda, 1995. Foto: Fernando Chaves

 


Hung Pieces
1995. Cerâmica e kantal, aprox. 150X30X30 cm. Foto: Geórgia Kyriakakis


Wire Installation
1995. Cerâmica e arame, 400X20X30 cm. Foto: Geórgia Kyriakakis

 



Geórgia Kyriakakis

Por Aracy Amaral, 1996

Lembro-me da declaração de Geórgia sobre o limite entre a "queda e a desintegração do corpo" ao mencionar que "o fogo decreta a falência da matéria do papel, leva-o ao limite de sua fragilidade". Exercer o controle da incineração - no caso o papel preparado como numa performance que tem muito do ritual com que era executado - para essa alteração física violenta determinada pela artista, por ela própria manipulada, continha muito do prazer de seu fazer artístico. Nessa sua ação emergia uma forma aleatória, ou também surgida parcialmente com a colaboração do acaso, uma vez que adquiria visibilidade a partir de seu processo de trabalho.

Depois do papel, o barro. Há cerca de dois anos Geórgia Kyriakakis fez experimentações com cerâmica. Sua energia pessoal mexe agora, assim, com elementos primordiais para a sobrevivência do homem no mundo: a água, a terra, o fogo. Curiosamente, ela constata em recente workshop na Holanda que tanto o barro (a terra), com que trabalha no momento, quanto o papel, suporte obrigatório para seus trabalhos até o ano passado, são constituídos de elementos semelhantes: alumínio, oxigênio e sílica, com a diferença de que a água está mais presente no barro, em contraposição ao óxido de carbono no papel. Porém, 99% dos elementos presentes na terra - oxigênio e alumínio - estão contidos também na feitura do papel. Que nasce da madeira, que vem da árvore, que se nutre da terra. Como se ela estivesse trabalhando em cima de suportes ou materiais aparentemente distintos, porém de natureza similar.

Experimental, alquimista, manipuladora incansável de materiais os mais diversos - chumbo, fios de cobre, papel queimado. Agora, porém, 'tecendo' formas naturais, superfícies convexas se não fossem continentes irregulares, finas películas de cerâmica não-utilitária, dobraduras orgânicas que Geórgia acaricia/molda, nelas permanecendo impressos seus gestos. Essas peças, devidamente revestidas de papel protetor em suas paredes externas, assim como recheadas de amarfanhado papel de jornal, depois de cozidas adquirirão o aspecto de folhas mortas tombadas pelo vento de outono, tal a leveza de sua fisicalidade. Na verdade, esse trabalho da artista, ao empilhar com aparente displicência essas delicadezas de cerâmica sobre o piso, formas informes carregadas de gestos, ao lado das cinzas de jornais que as rechearam em seu processo de realização, é agente vivo de simbolismo na medição do tempo. Suas impressões sobre a matéria são equivalentes a uma ampulheta que se reergue ao final de cada ciclo, ritmo inexorável que vivenciamos medindo também nossa permanência. A matéria se transmuta no interior e no exterior - na peça de cerâmica como no jornal colocado em sua parte interna, como ninho amorosamente preparado nesses recipientes orgânicos. Formas remanescentes da extensão do rastro e movimento de suas mãos - dedos, gestualidade - frágeis como seus papéis calcinados com chumbo, mas agora trabalho atemporal e portanto imensurável, qual atividade de Sísifo, enigmática em sua elaboração obsessiva. Assim, nesse processo atual de queimar peças para sua execução está implícito igualmente o contrário do uso do fogo que "decreta a falência da matéria" aludida. Ou seja, aparece uma resultante de dupla vertente: preservação dessa mesma matéria, em labor cotidiano que retorna sempre, como aquele que caracteriza os gestos do comportamento da mulher através dos séculos. Em expressiva dicotomia, surge nesses experimentos de Geórgia Kyriakakis, além da abordagem do tempo, a precariedade das coisas, frente à tênue fisicalidade das cinzas.

Também o obsessivo - existente num Roman Opalka no confronto com o tempo, ou nas 'repetições' constantes nos trabalhos de Carmela Gross - adquire aqui conotações de mutabilidade pelas infinitas variações em torno do mesmo tema como forma. Assim como pelas novas alquimias perseguidas para a obtenção de efeitos em visualidades emergentes quando Geórgia opera sobre a superfície bidimensional. Mas, no caso das peças dessa instalação, a escala, a dimensão captada no registro fotográfico desaparecem totalmente diante da quase imaterialidade do resultado poético. Folha, flor, rastro, gesto inacabado nos módulos únicos (forma exterior) e reflexão, simultaneamente (configuração interna, nódulos de cinzas em efêmera materialidade), aceitação no embate com o extemporâneo?



Cronologia


Nasceu em 1961 em Ilhéus, Bahia. Em 1986 formou-se pela Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo. Em 1987 viajou para Londres onde estudou gravura em metal na Chelsea School of Art. Em 1995 participou do Brazilian Project on European Ceramic Work Centre, em Hertogenbosch, Holanda. Vive e trabalha em São Paulo, Brasil.


Exposições individuais

1996
Galeria Adriana Penteado, São Paulo, Brasil.
1995
Galeria Adriana Penteado, São Paulo, Brasil.
1993
Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil.
1992
Galeria Macunaíma, Rio de Janeiro, Brasil.
1991
Itaugaleria-Higienópolis, São Paulo, Brasil; Itaugaleria, Vitória, Brasil.
1990
Itaugaleria, Goiânia, Brasil.


Exposições coletivas

1996
Stedelijk Museum, Schledam, Holanda.
1995
Espelhos e Sombras, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro, Brasil; Bienal de Santos, Brasil; Salão de Arte de Ribeirão Preto, Brasil; Coletiva 34, Galeria Adriana Penteado, São Paulo, Brasil; The Witte Lady, Eindhoven, Holanda.
1994
Museu de Arte Contemporânea, Sala Mario Quintana, Porto Alegre, Brasil; Palácio das Artes, Belo Horizonte, Brasil; Espelhos e Sombras, Museu de Arte Moderna, São Paulo, Brasil; Kunstfabric, Roth, Alemanha.
1993
Centro Cultural São Paulo, Brasil; Salão de Arte de Ribeirão Preto, Brasil; Retratados, Sala CGA de Exposições, São Paulo, Brasil; Salão de Arte de Santo André, Brasil; Salão Carioca, Parque Lage, Rio de Janeiro, Brasil; Salão Nacional, Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, Rio de Janeiro, Brasil.
1992
Projeto Macunaíma, Instituto Brasileiro de Arte e Cultura, Rio de Janeiro, Brasil; Salão de Arte de Ribeirão Preto, Brasil.
1991
Salão de Arte de Ribeirão Preto, Brasil; Salão Nacional de Brasília, Brasil; Salão Paranaense de Arte, Curitiba, Brasil.
1986
Salão Paulista de Arte Contemporânea, Fundação Bienal de São Paulo, Brasil.
1985
Exposição Eventos, Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo, Brasil; E o Desenho...?, Galeria Humberto Tecidos, São Paulo, Brasil.
1984
47º Salão Paulista de Belas-Artes, São Paulo, Brasil.


Prêmios

1993
Salão de Arte de Santo André, Prêmio Aquisição; Salão de Arte de Ribeirão Preto, Menção Honrosa.
1992
Salão Mokiti Okada, Menção Honrosa.
1991
Salão Paranaense de Arte, Exposição Latino-Americana; Salão de Arte de Ribeirão Preto, Menção Honrosa; Salão Nacional, Prêmio Brasília de Artes Plásticas, Prêmio GDF, Aquisição.
1984
II Semana de Arte Ibero-Americana, Prêmio Aquisição.


Coleções

Museu de Arte de Brasília, Brasil; Paço Municipal, Prefeitura de Santo André, Brasil; Museu de Arte de Ribeirão Preto, Brasil.