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Casa em Makokho (detalhe da parede externa)
1995. Pintura acrílica sobre parede. Siyabuswa, África do Sul. Foto: Abrie Fourie

 


Pia batismal da igreja católica romana (detalhe)
1995. Pintura acrílica. Siyabuswa, África do Sul. Foto: Abrie Fourie


Francina Ndimande trabalhando em Amagwalo
1996. Pintura acrílica. XXIII Bienal Internacional de São Paulo. Foto: Fernando Chaves

 



Francina Ndimande

Entrevista concedida a Vusi D. Mchunu

"Pintar é demonstrar alegria" in AmaNdebele, signals of color from South Africa. Ed. Ernst Wasmuth Verlag, Tübingen, Alemanha, 1991.

Vusi: Sendo de origem nobre, estou certo de que instrutores especiais foram designados para ensinar-lhe a arte mural?
Francina: Não. Nós aprendemos a desenhar quando éramos bem pequenos; fazia parte das nossas brincadeiras. Construir casas de brinquedos, misturar cinzas de lareira com água. Imitávamos nossas mães. Eu gostava particularmente de desenhar e nunca me cansava. Eu gostava de seguir minhas mães para o quintal e elas me mostravam as paredes de barro do nosso galinheiro. Elas nos ensinavam a pintar com as cores da terra. Era divertido. Eu passava horas sozinha pintando o galinheiro.

V. Sendo princesa, ninguém tentou impedir, talvez com `honorários´, que a sra. decorasse as paredes de plebeus? Isso não era visto como algo degradante?
F. Você quer dizer que talvez as pessoas vissem isso como um vergonhoso ato de mendicância? Não. Meu trabalho como artista jamais rebaixou o meu status. Meu talento com as mãos só traz felicidade às pessoas. Elas viram a decoração que fiz em nosso palácio. Meu talento as atraía, atraiu inclusive o meu atual marido. AmaNdebele tem um senso especial do belo. Criar coisas belas é a nossa vocação especial, o que nos diferencia dos nossos vizinhos Bapedi. Embora tenha que admitir que os BaNtwane, que também falam Sesotho, são esplêndidos artistas murais.

V. Vi padrões intrincados em seu trabalho artístico mural. Questionei-me se a sra. os reproduz a partir de um esboço menor.
F. Não. Eu simplesmente me levanto, vou até a parede e começo a trabalhar. Não preciso perder tempo desenhando esboços e pensando nos detalhes. Enquanto trabalho, corrijo constantemente qualquer erro com as mãos. É lógico que minha mente está organizando as imagens, os padrões e as cores. Busco sempre a harmonia e a vivacidade. Decorei a fachada e as laterais do átrio do mesmo jeito. A harmonia é a minha palavra-chave enquanto organizo os degraus, a forma de lua e nossas paredes típicas. Todas as formas surgem da minha mente. São minha própria criação, eu não imito ninguém. Minha guia constante é a busca da beleza. Sempre estou disposta a pintar. Essa atividade é meu amor e meu desejo. Não sou como outras artistas daqui que só fazem decoração como preparativos para determinada ocasião ou algo assim. Seja uma cerimônia de dança, ingoma, um casamento, umnyanya, ou o retorno dos homens iniciados, ukwendisa amasokana. Eu não sou assim. Se, ao olhar meus filhos, tiver inspiração para criar para cada um deles, simplesmente me dirijo até a parede e pinto este amor para que eles possam vê-lo. AmaNdebele prefere fazer seu trabalho artístico no inverno, nos tempos de seca. No verão chove tão forte que nossa pintura é destruída e as paredes ficam com buracos fundos. No entanto, também decoramos no verão, já que todos estão em casa para a época das festas.

V. Quando você começou a usar cal industrializada em seus murais?
F. Para dizer a verdade, foi o nosso padre local, um alemão, quem me mostrou as tintas comerciais pela primeira vez. Ele pediu para que eu e meu marido decorássemos sua igreja, Isango LeZulu. Nos interiores usamos tintas coloridas solúveis em água. Mas do lado externo as chuvas lavaram toda a pintura que fizemos. Isso deixou o padre tão irritado que ele foi imediatamente para Globersdal e voltou com tintas comerciais. Foi assim que conheci a cal e aquilo que chamamos de PVA. São mais duráveis, e os tenho usado desde então.

V. Qual a relação entre a arte mural e os trabalhos com contas que são vistos especialmente nas roupas femininas?
F. A relação é que ambas são belíssimas formas artísticas. Depois de pintar bem, você veste seu melhor vestido de contas e então a beleza está completa. Alguns dos amagama (palavras, padrões) do trabalho com contas são transferidos para a arte mural. Mas não diretamente, uma vez que são trabalhos diferentes que requerem habilidades e toques de finalização distintos. Além do mais, o trabalho com as contas é mais antigo do que a arte mural, como os nossos anciões nos lembram sempre. Na minha opinião, o trabalho com as contas foi criado para enfeitar as mulheres, embora os homens também os usem em adornos para a cabeça, para o torso e em anéis com contas. O trabalho com as contas tem uma relação com a família. Preparamos e usamos determinados colares e adornos para a cabeça no período em que nossos filhos e sobrinhos estão isolados nas montanhas. Um exemplo disso seria o adorno para a cabeça com contas com duas longas tiras em cada lado do rosto. Chama-se umlingakhobe ou imbeleko (berço). Quando acabam de dar à luz, durante a iniciação, as mães precisam meditar, precisam chamar os ancestrais indicados para proteger e dar força a seus filhos. Nesse período as mães sempre usam esse imbeleko. Para as tarefas diárias e para maior comodidade usamos uma versão mais curta do imbeleko. Mesmo se estiver doente, não deve tirá-lo, mas pedir a uma outra mãe para usá-lo em sua intenção.

Quando uma garota está em fase de iniciação, usamos um adereço mais curto, denominado umkhala ou icubi. Durante esse período as mães usam suas vestes tradicionais, com aventais frontais, ijorholo, aventais para as costas, amaphotho, e cobertas com contas, inkumbesi. Mas reservam a vestimenta completa para a cerimônia iqhude, quando a garota iniciada sai do isolamento. Essa apresentação é uma festa tradicional na qual a família, os parentes e vizinhos celebram comendo carne e bebendo cerveja. Todas as mães ficam orgulhosas por suas filhas terem sido instruídas nos costumes e valores amaNdebele.



Cronologia


Nasceu na África do Sul em 13 de dezembro de 1940.


Exposições

1996
Arts from Africa, Copenhague, Dinamarca; Africa Museum, Friburgo, Alemanha.
1995
Africus Johannesburg Biennale, Johannesburgo, África do Sul.
1994
AmaNdele Colour Signals from South Africa, Stedelijk Museum Voor Hedendaagse Kunst, Hertogenbosch, Holanda; Colour Signals from South Africa, Stuttgart, Alemanha; Frankfurt Bookfair, Frankfurt, Alemanha.
1991
Signals of Colour from South Africa, Haus Der Culturen Der Welt, Berlim, Alemanha; Permanent Mural, University of Maastricht, Science Departament, Maastricht, Holanda.