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Blind Alphabet ABC
1995. Técnica mista. Instalação (trabalho em processo). Foto: Wayne Oosthuizen. Cortesia de Johannesburg Art Gallery





Blind Alphabet C: Caracol
1995. Técnica mista. Instalação (trabalho em processo). Foto: Wayne Oosthuizen. Cortesia de Johannesburg Art Gallery



 


 


Willem Boshoff

A África do Sul participa da 23ª Bienal Internacional de São Paulo com o artista Willem Boshoff, de Johannesburgo. Seus trabalhos anteriores incluem Bangboek 1971-1981 (The Boek that is Afraid), um enigmático diário que contém anotações particulares sobre pacifismo, uma forma de protesto contra o serviço militar obrigatório na força da SA Defence. Autochonous Journey, de 1992, apresenta 190 tipos de solo africanos obtidos em uma jornada de 10 mil quilômetros. Uma abordagem sistemática que integra tanto qualidades didáticas quanto uma humanidade apaixonadamente engajada são aspectos evidentes na obra de Boshoff. A seleção feita pelo artista é apropriada ao tema enunciado pela Bienal, a desmaterialização da arte no final do milênio; a obra de arte não mais privilegia somente o olhar, esteja ou não ligada a valores táteis ou apenas óticos. A desmaterialização é vista como um processo pelo qual as noções tradicionais de suporte, da primazia do objeto e sua relação com o público, estão sendo questionados como critérios válidos para a apreciação de trabalhos artísticos. Boshoff criou um verdadeiro dicionário morfológico para os 'cegos', palavras difíceis adquirem sentido através da participação de alguém que não vê. Tais inversões de percepção desafiam as convenções do 'olhar' fazendo com que a linguagem adquira uma forma tátil. "Os limites de nossa linguagem são os limites do nosso mundo", afirmou Wittgenstein. A linguagem determina o nosso mundo e, como tal, também determina nossa relação com ele. A arte é um meio de comunicação, uma linguagem que é capaz de superar os limites dos preconceitos, que têm sido tão preponderantes na sociedade da África do Sul.


Alfabeto C para Cegos (de Coculífero a Cimbiforme)

Por Willem Boshoff

O símbolo mais representativo da divisão do teatro social do absurdo desempenhado no passado na África do Sul foi a pele. Em termos científicos a pele é o maior órgão do corpo humano, fato que de algum modo faz dela o nosso manto mais visível, uma roupagem ridícula que representa nosso lugar na hierarquia social. Ela definia de modo infalível quem éramos e o que nos era permitido. Todos prestavam atenção na pele do outro. Ela definia se tínhamos o direito de ir, de participar, de ser ou de não ir, não participar, não ser.

Nosso obssessivo preconceito com a cor da pele alheia reforçou a criação da maior, mais fria distância possível. Durante o apartheid éramos como objetos de arte sagrados no interior de um museu bem seguro, longe dos outros, só podíamos ser vistos e nunca tocados. Afortunadamente, ser verdadeiramente cego significa também não poder ver as cores.

Nesse projeto para cegos, Blind Alphabet Project, uso a película liberada e sua capacidade única de fazer emergir as sensações desde os pés até a cabeça como instrumento para curar as fraturas sociais provocadas no passado. O projeto restabelece a integridade do toque como catalisador social viável para um discurso interativo. Ele substitui a visão pelo toque de modo a favorecer, talvez a enobrecer, a cegueira e desativar a visão.

O Blind Alphabet ABC é um dicionário tridimensional, composto de 338 unidades de esculturas terminadas, além de outros trabalhos em fase de desenvolvimento. A Bienal de São Paulo exibirá as 77 unidades denominadas Blind Alphabet C (Coculliferous to Cymbiform).

Numa inversão das relações de poder, a obra cria uma dependência no toque e habilidade de leitura. Sem a presença de pessoas cegas, o Blind Alphabet se torna perdido, um fútil exercício de estética.

As esculturas são colocadas dentro de caixas e a regra da galeria é não permitir que sejam vistas por pessoas capazes de ver. Quando os cegos vão a galerias de arte em geral são acompanhados até às esculturas por pessoas cuja função também inclui evitar que eles estraguem algo. As unidades do Blind alphabet ficam tão próximas umas das outras que os cegos não ficam perdidos. Cada peça é de tamanho e altura conveniente e está colocada de modo a possibilitar a manipulação pelo público ou colocada em uma cesta de modo a evitar que caiam ao chão. Blind Alphabet ABC foi exposto inúmeras vezes e apesar de ter sido manipulado ativamente pelos cegos ainda assim não sofreu nenhum dano.

Para aqueles que podem ver, as 338 esculturas parecem um cemitério, com seus objetos dispostos em incontáveis fileiras. O objetivo é que eles nos deixem desorientados. No entanto os cegos não se dão conta de que o trabalho faz com que nos sintamos perdidos porque eles 'vêem' apenas um objeto de cada vez.

Cada peça tem uma complexa e extensa identificação em braile de modo que os cegos podem esclarecer aos surpresos possuidores de visão o que está ocorrendo. Com sua mágica especial, eles ditam os textos mais herméticos que são lidos com a ponta dos dedos. Sua ignorância passa a ser uma onisciência que os torna aptos a ajudar até o especialista visual a 'ver'.



Cronologia


Nasceu em 1951 em Vereeniging, Transvaal, África do Sul. Freqüentou o Johannesburg College of Art (mais tarde denominado Technikon Witwaterstrand) de 1970 a 1974. Fez bacharelado em técnicas de impressão, em 1980, e mestrado em escultura, em 1984, na Technikon Witwatersrand, onde é professor de arte. Fez visitas de estudo à Alemanha e Áustria em 1982, e à Inglaterra, País de Gales e Escócia em 1993.


Exposições

1996
Vita Art Now, Johannesburg Art Gallery, Johannesburgo, África do Sul; Blind Alphabet C, Atlanta, Estados Unidos.
1995
Africus Biennale, Johannesburg Art Gallery, Johannesburgo, África do Sul; Vita Art Now, Johannesburg Art Gallery, Johannesburgo, África do Sul; Right to Hope, exposição itinerante por vários países; Blind Alphabet B, Siyawela; Birmingham, Inglaterra.
1994
State of the Art, Everard Read Contemporary, Johannesburgo, África do Sul.
1985
Tributaries, exposição itinerante pela África do Sul e Alemanha.
1984
South African Association of Arts, África do Sul.
1982
Natalie Knight Gallery, Johannesburgo, África do Sul.
1981
Johannesburg Art Gallery, Johannesburgo, África do Sul.


Coleções

University of South Africa; Gencor; Technikon Witwatersrand; South African National Gallery, Cidade do Cabo, África do Sul; Sandton Municipal Collection, Jack Ginsberg Collection of Book Arts, Johannesburgo, África do Sul; Pierre Lombard Collection of Contemporary South African Art; Ruth and Marvin Sackner Archives of Concrete and Visual Poetry, Miami, Estados Unidos.