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Enfermedades Comunes en el Paraguay II
1995. Da série Yacare Irupe. Folhas dissecadas de vitória-régia, papel e bexigas de animais costuradas e aglutinadas com cera, 20 peças de 160X120X0.2 cm cada. Foto: Hector Micó





Enfermedades Comunes en el Paraguay II
1995. Da série Yacare Irupe. Folhas dissecadas de vitória-régia, papel e bexigas de animais costuradas e aglutinadas com cera, 20 peças de 160X120X0.2 cm cada. Foto: Hector Micó



 


 


Carlo Spatuzza

Por Osvaldo González Real

"Acredito que não é importante o fato de a pessoa enfocar um aspecto negativo e desenvolvê-lo. Posso citar como exemplo Carlo Spatuzza, que fala das Enfermedades Comunes en el Paraguay. Ele faz referência a elementos podres, coágulos, coisas mortas, pedaços que não se desenvolvem. Toda essa história é uma voz, uma experiência que serve de resposta ao ambiente. Trata-se da realidade denominada pela inquietude visual. É o conflito que sentimos na carne todos os dias. E assim que o artista responde."
Carlos Colombino (trecho de entrevista publicada no Diario Notícias, Suplemento Cultural, 30/12/95).

"Spatuzza converte as salas onde expõe as suas obras no enorme palco de um teatro imaginário em que as luzes e os espaços têm o papel principal. (...) Para conseguir essa imagem, esse clima, ele trata os papéis e as telas com cera, calor e aglutinantes e obtém transparências e semitransparências que só se percebem na contraluz, ou utiliza papéis já atacados por fungos superpondo-os e acrescentando elementos estranhos e inesperados: lâminas de barbear, moedas, incenso, mirra, plantas medicinais (...) O espectador fica desconcertado e se pergunta se o que está olhando é uma pintura ou uma gravura, se é um desenho ou uma escultura (...) Uma grande instalação de três séries em três espaços vinculados, embora separados pela mesma idéia-força: destruir, negar, esconder, encontrar, tampar, descobrir e construir com tudo isso alguma coisa nova e diferente."

Olga Blinder (trechos do catálogo Enfermedades Comunes en el Paraguay, Centro Cultural de la Ciudad, dez./95)


Enfermedades Comunes en el Paraguay

A obra de Carlo Spatuzza caracteriza-se pela utilização de elementos orgânicos - empalhados ou em germinação - que se combinam com materiais restaurados para compensar o lento e irrecuperável trabalho do tempo. Não é de estranhar, portanto, que Spatuzza tenha sido restaurador de todo tipo de objeto e que seus conhecimentos de química e bacteriologia o tenham ajudado a criar estas obras que, pelo seu aspecto e cheiro, fazem com que sintamos o lento e contínuo movimento do tempo em direção à morte.

A decadência física e essencial das 'coisas' deste mundo material aparece completamente nua: o mofo, as exudações, as sangrias, os perfumes vegetais contribuem para formar uma espécie de nicho ecológico em que fermentam os fluidos cheirosos deste laboratório de alquimista. As ervas naturais que compõem a farmacopéia de Spatuzza incluem: mirra, incenso, arruda e patchuli. Os eflúvios enervantes dessas plantas produzem no espectador a recuperação do 'tempo perdido' no melhor estilo de Proust e também a compreensão de que existem outros órgãos dos sentidos - além do visual - que podem incidir na nossa apreciação estética.

O conceito morfobiológico de Carlo Spatuzza também está relacionado com sua experiência como cenógrafo, gravador e figurinista. A instalação em um palco peculiar e excêntrico destas obras, que aparecem iluminadas por um conjunto de luzes, dirige-se ao espectador teatral que, de alguma forma, participa do jogo das forças de germinação e de dissolução dos objetos expostos. O artista, além de ser especialista na arte de empalhar - uma espécie de embalsamador - é também o criador desse processo natural que, de uma forma cíclica, cria, conserva e destrói o cosmo. Este artista manifesta-se como um demiurgo, como um arqueólogo do mundo cotidiano.

Spatuzza, em uma de suas melhores exposições, explorou o mito do 'coração não-corrompido' do santo e missionário paraguaio da época colonial Roque González de Santa Cruz (1576-1628). O padre, que foi assassinado pelos índios, é venerado pelo povo por meio de um coração embalsamado guardado no sacrário de uma igreja em Assunção. Baseado nessa crença, Spatuzza reconstitui a lenda, utilizando corações de boi e sangue coagulado. A utilização de bexigas de porco para formar recipientes - tipo cofre para esmolas - com o objetivo de mostrar no seu interior os materiais mais heterogêneos (fotos, lâminas de barbear, agulhas, goma-pluma etc.) forma séries de instalações que produzem em quem as olha um 'choque' que requer a atenção de todos os seus sentidos. As séries baseadas no 'jacaré' e na 'vitória-régia' foram multiplicadas graficamente por meio de impressões realizadas sobre vestidos e camisolas antigos comprados em brechós. O 'jacaré' - sáurio dos nossos rios ameaçado de extinção - é um dos temas utilizados em muitas ocasiões por este artista, preocupado com as questões ecológicas e com a sobrevivência das espécies nativas. Este trabalho - que por um lado é irônico e por outro quase-científico - está inserido em uma modalidade mista em que se aplicam diversas técnicas e diversas disciplinas.

A obra apresentada por Spatuzza nesta Bienal é a continuação lógica de seus conceitos anteriores. Nela foram combinadas, complementadas e aperfeiçoadas as idéias e os conceitos espaciais das camisolas penduradas, das membranas embalsamadas e dos perfumes naturais. As cortinas móveis de fragmentos de pele costurados uns aos outros, como um patchwork orgânico, criam um espaço virtual para o espectador e o envolvem com a essência dos seus odores. Os eflúvios criam uma atmosfera olfativa que toca as fibras mais arcaicas do ser humano, fazendo-o retroceder a tempos e lugares primitivos que pertencem à memória atávica. As velas de banha, a cera de abelhas, as rendas antigas são componentes de transparências (quase radiológicas) que expõem momentos e situações singulares do processo cultural e biológico.

Em resumo, em Enfermedades Comunes en el Paraguay podemos apreciar a invenção e a cosmovisão sui generis de Spatuzza, que combinou diversas expressões e modalidades atuais para nos entregar esta instalação que integra tendências importantes deste finalde século.



Cronologia


Nasceu no Paraguai em 1966. É arquiteto, pintor e gravador. Trabalhou na oficina de gravura, com Livio Abramo e Edith Jimenez, e nas oficinas do IDAP dirigidas por Olga Blinder. Formou-se em restauração com Estela Rodríguez Cubero. Participou de oficinas de gravura em Buenos Aires, sob a direção de Alicia Díaz Rinaldi. Desenha e produz cenários e figurinos para espetáculos de teatro e dança. É responsável pela Oficina Experimental de Gravura e Impressão no Instituto de Arte (IdeA) e no Centro de Estudos Brasileiros. Em 1995, foi escolhido por concurso para trabalhar com litografia no Instituto Tamarindo (Novo México) e obteve uma bolsa para participar da oficina de máscaras e estruturas gestuais de Donato Sartori, no Rio de Janeiro.


Exposições individuais

1995
Enfermedades comunes en el Paraguay, Manzana de la Rivera, Assunção, Paraguai.
1994
Oh Corazón, Manzana de la Rivera, Assunção, Paraguai.
1991
Pinturas y Grabados, Galería Arte Nuestro, Villarrica, Paraguai.


Exposições coletivas

1995
Feria de Stampa, Madri, Espanha.
1994
IV Trienal, Majdanek, Polônia; Casa de las Américas, Havana, Cuba.
1993
Unesco, Paris, França; Machida, Tóquio, Japão.
1992
1/1, Galeria Ana Scappini, Assunção, Paraguai; Galeria El Aleph, Assunção, Paraguai; Muestra Itinerante de Grabado, exposição itinerante em três locais: Uruguai, Argentina e Brasil.
1991
19ª Bienal Internacional de Arte Gráfico, Liubliana, Eslovênia.
1990
Muestra Internacional de Grabados, Guadalajara, México.


Prêmios

1994
Premio Derechos Humanos, 1º prêmio, Embaixada dos Estados Unidos, Assunção, Paraguai.
1992
Derechos Humanos, 1º prêmio, concurso de gravura, Nações Unidas, Assunção, Paraguai.
1991
Hacia el 5º Centenario, 1º prêmio, concurso de pintura, Assunção, Paraguai.
1990
Mostremos Paraguay, 2º e 3º prêmios, concurso fotográfico, Assunção, Paraguai.