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João Penalva

Por ele mesmo


Londres, 20.6.96

Caro Sommer Ribeiro,

Aqui segue uma breve descrição do meu projecto para a 23ª Bienal Internacional de São Paulo. Como verá, continua o meu interesse no desempenho temporário de situações profissionais que me são alheias, e que, através da minha, analiso e documento. Desta vez dóem-me as pernas e os tornozelos. Vá lendo e saberá por quê!

Na origem deste projecto estão dois aspectos da tradição do bailado clássico: um, o da transmissão, de um bailarino a outro, da coreografia, caracterização e segredos de palco que com o tempo se acumulam num determinado papel; outro, o de os papéis de mulher velha, feia e grotesca (irmãs da Cinderela, bruxas, madrastas, etc.) serem criados para ser desempenhados por homens, muitas vezes quando a idade os impede de continuar a desempenhar papéis de príncipe, amante ou herói.

Escolhi, como exemplo perfeito destes dois aspectos, a Dança dos Tamancos do bailado La Fille Mal Gardée (1960), de Frederick Ashton, criado para o Royal Ballet, inspirado no Le Ballet de la Paille ou il n'y a qu'un pas du mal au bien (1789), de Jean Dauberval.

A Viúva Simone, mãe e guardiã severa, delicia com esta hilariante dança a companhia, ao juntar-se às festividades da colheita. Trata-se de um divertimento de 2 minutos e 10 segundos, tecnicamente complexo, mas aparentemente simples, tendo ainda o interesse de ser um misto de técnica clássica e de dança folclórica da região de Lancashire.

Visualmente, o meu trabalho consistirá em textos e imagens, provenientes ou de material documental recolhido como resultado de pesquisa ou de material criado por mim.

Esta pesquisa, estou a fazê-la aqui em Londres na Biblioteca do Museu Britânico, nos arquivos da Ópera Real, no Museu do Teatro, no Instituto Benesh, junto de intérpretes do papel da Viúva Simone, coreologistas (notadores de movimento pelo método Benesh), fotógrafos e técnicos de vídeo. Contactarei também os arquivos do Ballet Real de Birmingham e as bibliotecas das Óperas de Paris e de Bordéus. Reuni já o material fotográfico dos intérpretes do papel de Simone, desde a sua criação em 1960 até hoje, entre os quais virei a incluir-me.

Como preparação para a minha interpretação da Dança dos Tamancos, estou a aprender a coreografia, através da partitura do movimento, em lições com a coreologista Juliette Kando. Depois, em lições com Ronald Emblen - o segundo intérprete de Simone, e o mais célebre no seu desempenho - terei a experiência pessoal do processo da transmissão do papel.

Grande parte do meu trabalho a ser exposto consistirá na minha documentação da experiência dos processos de pesquisa e transmissão a que me submeterei; começado apenas há um mês, tenho 45 páginas de formato A4 com a anotação do dia e hora de cada viagem, visita, telefonema, lição, carta ou contactos pessoais feitos no sentido deste projecto. Posso antever que este material se multiplicará, no mínimo, por quatro, até a data da exposição, contando com as notas que farei já no espaço sobre os problemas da montagem.

Como documentação do meu desempenho do papel de receptor do papel, terei ainda os registos em vídeo, sem montagem, de todas as lições com Juliette Kando e Ronald Emblen, que mostrarei em diferentes monitores. Num outro espaço contíguo, será projectado um vídeo do registo da minha tentativa de uma versão profissional no desempenho da Dança dos Tamancos, vestindo uma réplica do figurino original.

Poderá no entanto acontecer que eu tenha de reformular o meu trabalho e que o resultado final seja bem diferente do meu plano original, já que tanto a coreografia como a partitura, assim como o material fotográfico, estão protegidos por copyright. A coreografia é propriedade de Alexander Grant, conhecido como guardião severo da Fille Mal Gardée, e, apesar de eu ter conseguido dele, através de Adrian Grater, director do Instituto Benesh, a autorização para a leitura da partitura do movimento, ela foi-me cedida apenas para estudo. Escrevi entretanto a Alexander Grant, pedido-lhe autorização para interpretar a coreografia e gravá-la em vídeo, mas não tive ainda resposta. No caso de ela ser negativa, não poderei sequer apresentar os vídeos feitos durante as lições. Ronald Emblen, que sabe na memória dos seus músculos esta coreografia que dançou durante muitos anos, não poderá ensinar-ma sem para isso ter sido autorizado. Fascina-me aqui o facto de que, tendo ele esta sabedoria no seu corpo, ela lhe não pertença. Ou antes, que ela possa apenas estar nele num estado passivo, não lhe sendo possível facilitar a sua cópia através de uma demonstração cujo modo possa ser visto como constituindo o do seu ensino.

No caso de eu ver negada a possibilidade de continuar o meu trabalho no formato que originalmente concebi, a alternativa será a de prosseguir incorporando nele a impossibilidade de ser aquilo que originalmente queria que fosse. As questões levantadas seriam, para mim, mesmo assim interessantes. Agora já sabe por que é que tenho dores nas pernas! Será que no orçamento para o projecto haverá uma verbazinha para massagens e fisioterapia? ...Poderei vir a precisar!

Com os meus cumprimentos,
João Penalva



Cronologia


Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1949. Entre 1976 e 1981 estudou na Chelsea School of Art de Londres. Em 1980/81 foi bolsista da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Reside e trabalha em Londres desde 1976.


Exposições individuais

1996
Agostino Ricon Peres, Máquinas/Acessórios, Porto, Portugal; Cleveland, Londres, Inglaterra.
1995
Michael Hue-Williams Fine Art, Londres, Inglaterra; Galeria Pedro Oliveira, Porto, Portugal.
1993
Galeria Atlântica, Porto, Portugal.
1992
Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra.
1991
Galeria Atlântica, Porto, Portugal.
1990
Galeria Atlântica, Porto, Portugal; Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal.
1987
Sala Atlântica, Galeria Nasoni, Porto, Portugal; Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra.
1984
Cooperativa Árvore, Porto, Portugal.
1983
Galeria Roma e Pavia, Porto, Portugal; Galeria de Arte Moderna, Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa, Portugal.


Exposições coletivas

1995
New Painting, from the Arts Council Collection, University of Northumbria, Newcastle-upon-Tyne, Inglaterra; New Painting, from the Arts Council Collection, The Drumcroon Gallery, Wigan, Inglaterra; Peninsulares, Galeria Antoni Estrany, Barcelona, Espanha.
1994
Every Now and Then, Rear Window at Richard Salmon Ltd., Londres, Inglaterra; New Painting, from the Arts Council Collection, Darlington Arts Centre, Darlington, Inglaterra; New Painting, from the Arts Council Collection, Oriel Gallery, Mold, País de Gales; Quando o mundo nos cai em cima, Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal; Coleção Manuel de Brito, Museu do Chiado, Lisboa, Portugal; Depois de amanhã (The day after tomorrow), Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal.
1993
Recent British Painting - Arts Council Collection, Royal Festival Hall, Londres, Inglaterra; Coincidências, II Jornadas de Arte Contemporânea, Alfândega do Porto, Porto, Portugal.
1992
Five Years, Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra; Gallery Artists (Goldsworthy, Laster, Plensa, Sicilia, Penalva, Turrell), Turske Hue-Williams, Londres, Inglaterra.
1991
Gallery Artists, Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra.
1990
Works on Paper, Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra; Four painters from London, Galería Colégio de Arquitectos, Málaga, Espanha.
1989
Berry Street Open Studios, Londres, Inglaterra; Um olhar sobre a pintura portuguesa contemporânea, Museu de Arte Contemporânea, Casa de Serralves, Porto, Portugal; Eleven Artists, Francis Graham-Dixon Gallery, Londres, Inglaterra.
1987
Prêmio Amadeu de Souza Cardoso, Museu de Arte Moderna, Casa de Serralves, Porto, Portugal.
1986
VI Bienal de Pontevedra, Espanha, V Bienal de Vila Nova de Cerveira, Portugal.
1982
Pintores portugueses residentes no estrangeiro, Galeria Almada Negreiros, Secretaria de Estado da Cultura, Lisboa, Portugal.
1980
New Contemporaries, I.C.A., Londres, Inglaterra.


Coleções

Arts Council Collection, Reino Unido;
Caixa Geral de Depósitos, Lisboa, Portugal;
Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal;
Museu Nacional de Arte Moderna, Casa de Serralves, Porto, Portugal.