| Por Pierre Restany Paris, março de 1996
Torres de Gelo ou Energia
Com as Ice Towers que expõe na 23ª Bienal Internacional de São Paulo, Marianne Heske retoma a tradição de nomadismo doméstico. Trata-se de uma tradição que a artista inaugurou em 1980 na Biennale de Paris, realizada no Centre Georges Pompidou, na qual remontou uma cabana da sua região natal, Tafjord, uma pequena e isolada vila localizada na costa oeste da Noruega. A cabana de Tafjord (Project Gederloa) era uma verdadeira cabana, feita de madeira e pedras, com teto de tábuas e coberto por vegetação.
A cabana era local de refúgio de pessoas que estavam a passeio e de fazendeiros e era de propriedade de um fazendeiro que finalmente concordou em emprestá-la a Marianne durante um ano. Foi assim que a cabana veio a ser desmontada peça por peça, levada a Paris e remontada conforme o projeto original. Dois televisores testemunhas, um de cada lado, foram colocados nos locais previstos: o primeiro registrava o público e o segundo mostrava a cabana em seu cenário original, nas montanhas. Exatamente um ano depois, Marianne transportou a cabana de volta a seu hábitat conforme havia prometido ao proprietário. Aos grafites imemoriais produzidos em terras norueguesas haviam sido adicionados grafites parisienses, derivados de uma cultura metropolitana.
Foi assim que tomei contato pela primeira vez com a forte personalidade da jovem norueguesa que sabia colocar de modo tão imperativo a tecnologia a serviço da natureza. Esta proposta vai além da mera tecnologia de transporte, pois abre caminho para a reconstituição de fenômenos naturais. Na realidade, esta é a verdadeira essência do que está sendo posto em questão. É no âmbito da relação entre tecnologia e natureza que o trabalho de Marianne Heske está enraizado. Em seus deslocamentos, suas excursões, seus passeios, a artista não deixa nunca para trás a câmera de vídeo. A câmera é seu terceiro olho, uma extensão técnica de sua sensibilidade perceptiva. Lembro-me nitidamente de suas paisagens, impressões registradas em ampliações de fotogramas de vídeo que haviam colhido imagens da erupção de um vulcão. Baseada no documento fotográfico, todos os procedimentos posteriores de transposição para a tela foram feitos por computador, desde o formato do trabalho até a escolha das cores para a impressão. A vivacidade dos vermelhos e laranjas da lava estendiam, assim, a objetividade da visão até atingir a incandescência, em um processo semelhante ao de um ferro aquecido pelo ferreiro até ficar branco.
Em trabalho paralelo à fixação da imagem, Marianne Heske desenvolveu um video-diálogo que passou a fazer parte de sua 'viagem pitoresca'. Este é o nome que alpinistas suíços davam a seus passeios no final do século passado. A artista norueguesa nunca abdicou de seu nomadismo visual, uma espécie de espírito de viagem. Falar de viagens significa sempre uma referência a multidões. Uma metáfora tangível expressa esta consciência quantitativa do contexto humano: a massa uniforme, um verdadeiro mar feito de bolas - as cabeças de bonecas de vidro. Para Marianne, o fenômeno quantitativo ultrapassa a soma das particularidades individuais. Segundo Arman, uma cabeça e mil cabeças são realidades diferentes, mas o relacionamento que se estabelece entre o todo e suas partes não destrói o ponto de partida, a identidade inicial. A artista tem perfeita consciência deste fato. Ela costuma dizer que desde 1971, em Paris, tem vivido obcecada por cabeças de boneca, por seus olhos abertos e bocas em forma de botão de rosas. Chegou ao ponto de fazer ampliações fotográficas que se transformaram nas galáxias da Via Láctea. As 'viagens pitorescas' de Marianne Heske vão além de suas montanhas natais, atingem o céu e, como é esperado, vão mais longe, além dele. É, sem sombra de dúvida, um privilégio das montanhas da Noruega produzir tal promiscuidade com o infinito.
Todas as viagens de Marianne Heske têm um denominador comum: o espaço de comunicação. Se a artista tenta através de seu trabalho reconstituir a essência deste espírito de viagem, o faz para estimular o mais possível o privilegiado espaço da comunicação. Esta é sua maneira de falar com os outros, de falar e de registrar suas respostas. As Ice Towers em São Paulo constituem a última etapa de um longo trajeto no interior do universo do calor e do frio, a Winterland que as levou para Atlanta, Estados Unidos, a Lillehammer, na Noruega, passando por Barcelona e Munique. O princípio é simples e limpo, simple and clean (segundo os objetivos da própria artista). Trata-se de duas torres que medem 80x100x200 centímetros. A torre da esquerda tem um teto coberto por um disco de vidro vermelho cuja face interna fica coberta por uma camada de neve gelada. Em seu interior, as paredes de madeira aquecem o ambiente, que fica iluminado pelos raios de luz avermelhada emitido pelo disco redondo que cobre o teto. A segunda torre, a da direita, é coberta de madeira escura no lado externo e uma camada de neve gelada cobre o chão em seu interior. A atmosfera é fria, e a sensação de frio é ampliada pela luz azul que se desprende do teto coberto por um disco de vidro redondo. Se levarmos em consideração o tamanho das duas torres ficaremos surpresos ao saber que apenas uma pessoa por vez pode entrar nelas. A plataforma sobre a qual as torres estão colocadas é feita de cerâmica, que reproduz as pedras pretas e brancas das calçadas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Seu mosaico é equivalente ao das bonecas e o perfil sintético da imagem como um todo nos remete às paisagens numeradas das erupções vulcânicas e das quedas de neve tão caras à artista. O espaço delimitado no solo apresenta-se como se fosse uma metáfora fantasma da humanidade.
O público integra-se de modo natural a esse mundo-sombra ao qual pertence. Experimenta sensações de calor-frio em uma dialética de comunicação, que é como se fosse um rito existencial em que representa o papel de indivíduo que fica preso em uma totalidade. Os antigos gregos utilizavam uma declinação análoga à sintaxe desta situação: a relação acusativa. O objetivo das viagens de Marianne Heske é revelado etapa por etapa em toda a sua dimensão. A comunicação torna-se um fenômeno existencial global - que vai além dos termos egoístas de um simples diálogo - de modo a projetar o homem em um espaço vazio pleno de energia universal. Sua sensibilidade não é mais do que uma pequena partícula da energia cósmica, porém possui o poder intuitivo de chegar ao todo a partir de uma parte e assumi-lo como se fosse uma totalidade. É aí que, como se fosse locatário da energia, o homem, consciente de sua relação com a natureza, atinge o significado universal, isto é, alcança sua liberdade máxima.
Esta é a lição básica que Marianne Heske nos ensinou ao final de sua 'viagem pitoresca', um local onde o encontro entre a natureza e a tecnologia ocorre sob o signo da energia cósmica. Nós entramos também no universo do Vazio, de Yves Klein, este Vide Plein em cujo colo crepitam os dois fogos da alquimia: o fogo que queima e o fogo que brilha. As Ice Towers estão entre as mais vitais e poderosas manifestações contemporâneas. Não foi por acaso que Marianne Heske deu início a outra aventura, a dos Orgone Houses, uma homenagem a Wilhem Reich, o último dos grandes prometeus modernos, o personagem principal que recicla energia vital.
| |
| |
| Nasceu em 21 de fevereiro de 1946 em Aalesund, Noruega. Vive e trabalha em Oslo, Noruega.
Exposições individuais
1995 Galerie J&J Donguy, Paris, França. 1994 Galleri Wang, Oslo, Noruega. 1993 Bergen International Art Festival, Bergen, Noruega; Kunstforening, Bergen, Noruega; Kunstmuseum Düsseldorf im Ehrenhof, Düsseldorf, Alemanha; Künstlerhaus Bethanien, Berlim, Alemanha. 1992 Porin Kunstmuseum, Pori, Finlândia. 1991 Gallerie J&J Donguy, Paris, França. 1990 The ClockTower Gallery, Nova York, Estados Unidos; Naham Contemporary, Nova York, Estados Unidos. 1989 Galleri J.M.S., Oslo, Noruega; Le Lieu, Québec, Canadá. 1987 Galleri Ojens, Gotemburgo, Suécia. 1986 Henie-Onstad Art Center, Oslo, Noruega; Aalesund Kunstforening, Alesund, Noruega; Galleri Oyri, Laerdal, Noruega. 1985 Galleri Doktor Glas, Estocolmo, Suécia. 1984 Gallerie Art Contemporain, J&J, Donguy, Paris, França. 1982 Galleri Sct. Agnes, Roskilde, Dinamarca. 1981 Henie-Onstad Art Center, Oslo, Noruega. 1979 University of Alberta, Canadá; Bergen Kunstforening, Bergen, Noruega. 1978 Galleri Norske Grafikere, Oslo, Noruega; Galleri F-15, Moss, Noruega; Bonnfantenmuseum, Maastricht, Holanda. 1976 Tromso Kunstforening, Tromso, Noruega. 1975 Galleri Koloritten, Stavanger, Noruega. 1974 Galleri Aasen, Alesund, Noruega; Galleri 1, Bergen, Noruega. 1973 Cité Internationale des Arts, Paris, França.
Exposições coletivas
1995 At the Century End, National Museum of Women in the Arts, Washington DC, Estados Unidos; Pasienten og Legen, Trondhjem Kunstforening Nordisk Onskemuseum, Göteborg Konstmuseum, Gotemburgo, Suécia; Landskap, Trondhjem Kunsforening, Trondheim, Noruega, - og vestenfor mane, Astrup-Fearnley Museet, Oslo, Noruega; Morketid, Tromso Kunstforening, Tomso, Noruega; Europe Rediscovered, Sarajevo, Bósnia. 1994 Project for Europe, Copenhague, Dinamarca; Winterland, Fernbank Museum, Atlanta, Estados Unidos; Museum of Western Art, Tóquio, Japão; Saló del Tinell, Barcelona, Espanha; Kunsthalle der Hypo-Kulturstiftung, Munique, Alemanha; Kunstmuseum, Lillehammer, Noruega. 1991 Galleri Wang, Oslo, Noruega; Voyage Pittoresque, Museum of Contemporary Art, Oslo, Noruega; Det Syntetiske Bilde, Kunstnernes Hus, Oslo, Noruega; Tokyo International Art Fair, Tóquio, Japão. 1989 International Impact Art Festival, Kyoto Municipal Museum of Art, Japão. 1987 Art Ware, Hannover, Alemanha. 1986 Norealis, DAAD Galerie, Berlim, Alemanha. 1985/87 Art in Norway Today, exposição itinerante na Europa. 1983 2ème Exposition Internationale Petit Format du Papier, Bélgica; Estetica Diffusa, Salerno, Itália. 1984 Bergen International Festival, Hakonshallen, Bergen, Noruega. 1981 Norsk Billed, Konsthallen, Helsinque, Finlândia; Métronom/Artists' Books, Centre Documentacio d'Art Actual, Barcelona, Espanha. 1980 Experimental Environment, Reykjavik, Islândia; Biennale de Paris, Centre Georges Pompidou, Paris, França; International Impact Art Festival, Kyoto Municipal Museum of Art, Japão; London Video Arts, ACME Gallery, Londres, Inglaterra. 1979 Norskt 70-tal, Kulturhuset, Estocolmo, Suécia. 1978 Landskap, Henie-Onstad Art Center, Oslo, Noruega; Sieben Grafiker aus Norwegen, Oldenburger Kunstverein, Oldenburg, Alemanha. 1977 Video and Film Manifestatie, Bonnefantenmuseum, Maastricht, Holanda. 1976 Life Styles, Institute of Contemporary Art, London Video International, Aarhus Kunstmuseum, Aarhus, Dinamarca; La Jeune Peinture, Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris; Groupe Dialogue, Unesco, Paris, França. 1975 Salon Contradiction, Centre de American, Paris, França; Nordisk Grafikkunion, Bergen, Noruega; Espace-Surface, Centre Culturel de Limoges, Centre Culturel de Chateeauroux, França; Femmes Peintres et Sculptrices, Musée d'Art Moderne de la Ville de Paris, França; La 2éme Foire, d'Art Contemporain, Paris, França; Artistes Etrangers à Paris, Galerie Rona, Genval Lac, Bruxelas, Bélgica. 1975/77 Grands et Jeunes d'Aujourd'hui, Grand Palais, Paris, França. 1974 L'Unique Object, Galerie Iris Clert, Paris, França; Grands Femmes, Petits Formats, Galerie Iris Clert, Paris, França; Réalitées Nouvelles, Parc Floral de Paris, França. 1973 La Jeune Gravure Contemporaine, Paris, França. 1972/73 Cité Internationale des Arts, Paris, França. 1970/80 Statens Hostutstilling, Oslo, Noruega.
Principais mostras internacionais
1995/1996 Aquilo, Museum Moderner Kunst, Sammlung Ludvig, Viena, Áustria; Museo d'Arte Moderna, Bolonha, Itália. 1995 Seoul International Art Festival, Seul, Coréia; Nordiska Konstcenter, Helsinque, Finlândia. 1992 Il Paesaggio Culturale, Palazzio delle Esposizioni, Roma, Itália. 1991 7 Cities, 7 Countries, Leuwarden, Holanda. 1988 Olympiad of Art, Museum of Modern Art, Seul, Coréia. 1987 European Painters Today, exposição itinerante na Europa. 1986 Biennale di Venezia, Nordic Pavillion, Veneza, Itália. 1985 Dialogue on Contemporary Art in Europe, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Portugal. 1980 Biennale de Paris, Centre Georges Pompidou, Paris, França.
Prêmios
2th International Graphic Biennale, Liubliana, Eslovênia; 5th International Graphic Biennale, Frechen, Alemanha.
| |
|
|