| Por Simone Cancelier
Lucien Léogane, figura maior da arte contemporânea do Guadalupe
O grupo Koukara, movimento de vanguarda surgido em Guadalupe em dezembro de 1988 agrupa artistas plásticos e professores, com o intuito de enfatizar a fusão do homem do Caribe. A obra-de-arte tem valor enquanto testemunho, impressão, determinação, exaltando a dimensão primitiva, a memória, a história, as tradições, possibilitando um retorno às fontes, às raízes. A constituição de um movimento de vanguarda como o Koukara, se inscreve no âmbito da problemática da arte moderna internacional em que se articula uma simbologia artística assim como uma estética contemporânea do Caribe. Koukara, ou Koulè Karayib em linguagem creouola, que significa 'cores do Caribe', se exprime através de uma linguagem plástica especificamente caribenha, em que a realidade da matéria sugere uma arte concreta, porém sem conotação naturalista. Sua pintura, impregnada de primitivismo, veicula símbolos originários de um universo imaginário retirado da fonte de seu meio cultural. Um simbolismo com tendências líricas, oníricas, freqüentemente expressionista, próximo ao surrealismo e às vezes à abstração ou, em outras palavras, sempre longe do figurativismo. Seu trabalho tem por base o método Fibressences, um conceito plástico que está na base de suas pesquisas rítmicas, de sua espontaneidade gestual de caráter primitivo no espaço bidimensional de seus suportes-superfícies, ao som da matéria, dos materiais e dos pigmentos coloridos. As fibras-relevos, que retêm a luz, são feitas de elementos vegetais (de elementos de coqueiro, palmeira, bananeira, da cana-de-açúcar, do palmiteiro, multiplicando estes elementos...), materiais em estado bruto de um meio ambiente natural, sensível e verdadeiro. Os iniciadores do grupo Koukara são Lucien Léogane, Klodi Cancelier, Jacques Lampécinado.
Em 1991 a exposição Fibressences divulgou esta nova estética caribenha. O grupo Koukara também deu início em Guadalupe ao 'happening pictural', muito apreciado pelo público ligado à arte, que participou de maneira bem-humorada na criação lúdica do happening Fibressences. O Koukara contribui para a tomada de consciência do conceito plástico que integra a vibração das fibras vegetais de modo intrínseco ao suporte da obra. Agora o caminho já está definido. É o de pesquisas voltadas para a plástica moderna, a busca de uma estética creouola no estilo do Koukara. Seguindo esta abordagem, alguns artistas plásticos de Guadalupe passaram a incorporar aos pigmentos coloridos materiais como a madeira, tecidos, fragmentos de pedras ou outras colagens feitas de grãos naturais, fibras de coqueiro, da bananeira, da mandioca, de milho selvagem, areia (Bruno Métura, Pierre Chadru, Antoine Nabajoth, Dany Vuilla, Michel Rovelas), guiados pelo Koukara, que reinventa assim a arte do Caribe. Em agosto de 1993, quatro artistas do grupo, Klodi Cancelier, Marie-José Limouza, Lucien Léogane e o jovem Bruno Métura participam de uma importante exposição itinerante realizada sob a égide da Unesco, inaugurada em Curaçao antes de iniciar viagem pelo mundo. Esta exposição única, que reuniu pela primeira vez obras de 35 países do Caribe holandês, francês, inglês e espanhol, se constituiu em uma coleção única de arte contemporânea do Caribe, e permitiu uma melhor apreensão dos valores estéticos e plásticos que contribuem para a riqueza do patrimônio cultural creoulo do Caribe.
Lucien Léogane, grande figura do grupo, nasceu em Guadalupe em 1951, estudou na Universidade de Artes Plásticas de Paris e atualmente é professor de gravura e pintura do Centre des Métiers d'Art de Pointe-à-Pitre e na École d'Arts Plastiques de Lamentin. Desde 1986, sua exposição individual, no L'Atelier em Gosier, já deixava entrever o lugar privilegiado que ele dá aos materiais naturais e reciclados, talvez uma piscadela amigável à arte povera italiana do fim dos anos 60. A pintura de Léogane impressiona a retina com suas vibrações coloridas, apimentadas pela astuta colocação de cores complementares, explosões de vermelhos e verdes, azuis e alaranjados em contrastes violentos ou às vezes atenuados por passagens por meios-tons. Em outras obras utiliza grandes espaços em vários tons de azul, suas harmonias preferidas, cores cósmicas (Chaos Terrestre et Cosmique, 1991).
A imaginação de Léogane cria todo um jogo plástico que transforma o real em formas e cores imaginárias. A sensualidade da matéria dá a sua pintura um aspecto tridimensional na imbricação dos elementos vegetais aos materiais industriais: fibra vegetal, coqueiro, palmeira, bananeira, grãos, madeira, areia, tecido, esparadrapo, papel, resina misturada com pigmentos que resultam em uma massa grossa. Trata-se de um pintor que usa matérias. Suas pinturas surgem como relevos esculpidos, com 'planos-colagens', técnica de transformação em direção à obra plástica que implica uma imagem mental totalmente desprovida de qualquer perspectiva linear clássica (Double Espace Bleu, óleo sobre isorel e colagem de papel, fibras). Pintor ecológico, Léogane "se interroga a respeito da persistência da natureza que está sendo destruída pouco a pouco" e sua produção artística é um "apelo à tomada de consciência do público" (Lucien Léogane, revista Jakata, abril, 1987). Depois da exposição individual na OMCS de Morne-à-l'Eau e de uma coletiva em Porto Rico, Santo Domingo e New Orleans (1987-1988), ele reencontra o público da Martinica, na CMAC de Fort-de-France, em 1991, na exposição 10 Peintres de Guadeloupe, na Biblioteca Schoelcher. Em 1992, participou da exposição que reuniu a obra de 110 pintores caribenhos, Un Nouveau Regard sur la Caraïbe, seguida de outra no mesmo ano em Santo Domingo, Prémière Biennale de Peinture de la Caraïbe et de l'Amérique Centrale, que reuniu pela primeira vez 30 países do Caribe. Léogane participou com outros artistas plásticos de Guadalupe: Klodi Cancelier, Michelle Lamotte, Pierre Chadru, Michel Rovélas, Frédéric Déglas, Dany Vuilla, Philibert Yrius, Bruno Métura, Antoine Nabajoth, Bruno Pédurand, Claude Dufour. Nesse mesmo ano, expôs na Martinica, no Premier Rencontre d'Art Contemporain, após o Indigo 92, Festival Intercaribenho de Artes Plásticas Contemporâneas, em Fort-Fleur-d'Epée, em Guadalupe. Em seguida, participou do Encontro Intercaribenho de Santa Lúcia (1993), Indigo 93, em Guadalupe, que se impôs novamente como ponto de encontro artístico dos países do Caribe. Em 1993 em individual no Centre des Arts de Guadalupe, Fibressences II, voyage vers un ailleurs, reapresentada no espaço da École d'Arts Plastiques de Lamentin, pretende reescrever a realidade dos mundos possíveis pois, conforme ele mesmo declarou, "a arte deve mostrar algo novo por visões pessoais" (Léogane, no catálogo da exposição de Fibressences II). Com Voyage Vers un Ailleurs, Léogane nos leva para um mundo onírico, misterioso e mágico, para o encontro da África com o Caribe. Suas composições atingem o limite entre a figuração e a abstração e se organizam cada vez mais segundo campos cromáticos com harmonias de contraste e plenos de símbolos, em que se articulam formas, signos, matérias e materiais 'fibra-essências' (Soukounyan, 1993). Seus tótens e outros signos-símbolos primitivos ameríndios e africanos animam suas obras mais recentes, impregnadas de um lirismo surreal, de onirismo e que se situam no limite entre a abstração e a figuração.
Em 1994, Léogane faz explodir suas gamas cromáticas no piano-bar Autour de Minuit, de Gosier, unindo seu talento ao de Klodi Cancelier em uma exposição coletiva com clima caribenho. Foi neste espaço que Herbie Handcock e Stanley Clark, de passagem por Guadalupe para participar de um concerto de jazz, tiveram um encontro entusiástico com os dois pintores de Guadalupe, momento intenso de participação para se conhecerem melhor, em uma interpenetração de ritmo, som e cor.
Lucien Léogane e Klodi Cancelier surgem, portanto, como precursores inquestionáveis do conceito plástico caribenho Fibressences, fibras que organizam o espaço de suas obras dando-lhes estrutura e que estão na base de suas pesquisas de suportes-superfícies, a fonte de sua inspiração, de seu imaginário, da espontaneidade do gesto, da intuição dominada das formas e dos ritmos coloridos das tocantes imagens que criam.
Em 1996, este fio de Ariadne tecido pela trama da obra de Léogane nos remete ao encontro das 'fibras-essências' de seu universo mágico que brilha com signos-símbolos minerais-vegetais-humanos. Na aurora do terceiro milênio, a 23ª Bienal Internacional de São Paulo nos faz penetrar no âmago da obra do artista plástico de Guadalupe, em direção à redescoberta estética e plástica de um espaço geográfico e espiritual do Novo Mundo, ainda desconhecido, e de suas múltiplas facetas. Trata-se de um mundo de mestiçagem, onde formas, cores, espaços, luzes se orquestram com alegria em uma sinfonia do Caribe, em uma expressão plástica de nossos valores estéticos, do nosso patrimônio, de nossas tradições culturais mais significativas, reavaliadas e reformuladas pelo poder de universalidade da arte, em uma linguagem artística e plástica contemporâneas.
A criação artística de Léogane, profundamente enraizada no subsolo do mundo caribenho se impõe também enquanto expressão de valores universais. Sua obra emite raios que possuem uma aura estética e plástica creoula sensível e verdadeira, retirada da fonte plural da mestiçagem cultural. É um melting-pot de culturas diferentes reunidas na unidade do sincretismo caribenho.
| |
| |
| Nasceu em 27 de maio em Pointe-à-Pitre, Guadalupe. Estudou Artes Plásticas na UER de Paris I, Panthéon-Sorbonne. Reside e trabalha em Pointe-à-Pitre, Guadalupe.
Exposições individuais
1996 Rencontre en Fibressences, Centre des Arts Pointe-à-Pitre. 1995 Complément d'Object, Centre Culturel Rémi Nainsouta, Pointe-à-Pitre, Guadalupe e Saint Martin. 1993 Centre d'Arts Plastiques du Lamentin, Guadalupe; Fibressences-voyages Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, Guadalupe. 1987 L'Office Municipal de la Culture de Morne à l'Eau, Guadalupe. 1986 Galerie l'Atelier, Gosier, Guadalupe.
Exposições coletivas
1996 Salon des Beaux-Arts, 7ème Mai des Créateurs, Centre Culturel d'Orly, Paris, França; 2ème Salon des Services aux Entreprises, Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, Guadalupe, Salon de la 6ème Conférence Caribéenne sur l'Ecotourisme, Guadalupe; KOUKARA, Exposition d'Art Contemporain Guadeloupéen, Maison de la Culture Marie Uguay, Montreal, Canadá. 1995 Complément d'Object, Centre Culturel Rémi Nainsouta, Pointe-à-Pitre, Guadalupe; St. Martin; Salon International d'Art Contemporain - Siac, Estrasburgo; Salon Blecker Street, Forms des Halles, Paris, França; INDIGO 95, Fort-Fleur-d'Epée, Gosier, Guadalupe. 1994 Autour de Minuit, com Klodi Cancelier, Gosier, Guadalupe; mural para o café-teatro do Hôtel Salako, Gosier, Guadalupe; mural para Maison de l'Esclavage et des Droits de l'Homme, com Klodi, Lamentin, Guadalupe; Bicentenaire de l'Abolition de l'Esclavage, mural com Klodi Cancelier, Michèle Chomereau-Lamotte e Liliana Bastaraud, Basse-Terre, Peti-Bourg, Anse-Bertrand, Gosier, Guadalupe; Festival de Santiago, Cuba; INDIGO 94, Fort-Fleur-d'Epée, Gosier, Guadalupe; Deuxième Biennale de Peinture de la Caraïbe et d'Amérique Centrale, Galería de Arte Moderno, Plaza de la Cultura, Santo Domingo, República Dominicana. 1993 Rencontre Inter-Caribéenne de peinture, Santa Lúcia; Carib'art - Contemporary Art of the Caribbean, exposição itinerante, Guadalupe; International Trade Center, Curaçao, Antilhas Holandesas. 1992 Un Nouveau Regard sur la Caraibe 1492-1992, exposição itinerante, l'Espace Carpeaux à Courbevoie, Paris, França; Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, Guadalupe; Galería de Arte Moderno, Santo Domingo, República Dominicana; Trinidad e Tobago; Barbados; Porto Rico; Première Rencontre d'Art Contemporain, Fort-de-France, Martinica; Indigo 92, Festival Inter-Caribéen d'Arts Plastiques, Gosier, Guadalupe; Première Biennale de Peinture de la Caraïbe et d'Amérique Centrale, Galería de Arte Moderno, Santo Domingo, República Dominicana. 1991 Dix Plasticiens Guadeloupéens, CMAC - Centre Martiniquais d'Action Culturelle, Bibliothèque Schoelcher, Martinica; Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, Guadalupe; Fibressences, com Beltan, Cancelier, Léogane et Nabajoth, Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, Guadalupe. 1989 Galerie L'Atelier, com Lesluin, Laurenceau e Perez, Gosier, Guadalupe; SERMAC, com Klodi Cancelier, Fort-de-France, Martinica. 1988 Grupo dos Cinco, Grupo Koukara de K. Cancelier, J. Lampecinado, L. Léogane, Centre Culturel Remi Nainsouta, Pointe-à-Pitre e Morne à l'Eau, Guadalupe; New Orleans, Estados Unidos. 198 Maison de France de St. Domingue, Santo Domingo, República Dominicana; Maison des Maires, Caiena, Guiana Francesa; Guadalupe. 1984/85 Galerie l'Atelier, Gosier, Guadalupe; Art pour la Paix, exposição itinerante contra o apartheid, Guadalupe. 1983 Office Municipal de Basse-Terre, Guadalupe. 1982 Centre des Arts de Pointe-à-Pitre, com Beltan e Abonnec, Guadalupe; OMCS, Basse-Terre, Guadalupe. 1978 Exposition Editions Caribéennes, Paris, França. 1976 Association des Antillais de Paris, França.
| |
|
|