| Por Angel Kalenberg
Et in Arcadia Ego
Desde sempre há uma dicotomia entre razão e natureza. Na tradição ocidental, a natureza deve se submeter ao homem. O denominado "jardim francês", o jardim de Versalhes, o jardim do absolutismo de Luís XIV, o jardim por excelência, disciplina a paisagem, a faz geométrica a tal ponto que o eixo do conjunto arquitetônico ao qual é subordinado passa pelo quarto do rei (e com isto não se esgotam os simbolismos). Ao contrário, para a tradição oriental, deve haver uma implicação do homem com a natureza, e os jardins - assim como as flores - serão objetos de composição e nunca terão uma ordem estabelecida.
Durante o século XVIII começa a surgir a vida moderna. Se antigamente os jardins eram monumentais, a partir desse período a simplificação trará consigo uma escala intimista. E o "jardim inglês" buscará um ponto de equilíbrio com base no respeito e nas características de cada lugar, respeitando o patrimônio natural, fazendo com que o voluntarismo racionalista do passado imediato seja substituído em benefício de uma atitude mais empírica, menos agressiva em relação ao ambiente.
O tema influenciará até mesmo pensadores como Voltaire, Rousseau, Kant, Goethe. E também será objeto de polêmica. William Chambers, um paisagista da época, escreveu: "os paisagistas não são apenas botânicos, mas também pintores e filósofos".
Versalhes levará em consideração as mudanças ocorridas no pensamento e na práxis inglesa, e introduzirá as mudanças necessárias (eliminando, entre outras coisas, as árvores recortadas como figuras), marcando uma evolução. Isso proporcionará sua índole universalista e o transformará em mostruário da diversidade. Portanto, não é de estranhar que terminasse transformando-se em uma escola de jardinagem.
Leandro Silva Delgado formou-se em Versalhes e optou por morar na Espanha. Nesse país, um intenso e prolongado contato com os jardins hispano-árabes de Granada e Sevilha permitiram-lhe constatar as vertentes sensitivas e estéticas dos jardins de Al Andalus.
A soma da influência de Versalhes com a arte hispano-árabe terá como resultado um produto que se afasta do espírito barroco, embora sem ignorá-lo, e que tende a se aproximar do rococó (palavra que intencionalmente deriva etimologicamente de rocalla). Silva Delgado evitará as grandes linhas compridas e geométricas, optando por pequenas linhas sinuosas que seguem traçados naturais, gestos mínimos que valorizam o que já existe e o tornam poético, aceitando as peculiaridades da natureza.
Desde a antiga Pérsia, desde os míticos jardins suspensos da Babilônia, o jardim sempre foi associado ao Paraíso (terreno, perdido, recuperado). Espaço sagrado e epicúreo, o jardim nasceu como hortus conclusus, isso é, como refúgio diante da ameaçadora natureza selvagem, ou como compensação pela sua perda. O jardim atual deve defender o homem da agressão da cidade moderna, que atrofia seus sentidos, instalando-o em um espaço protetor: arcaico, elegíaco, atemporal. E que também recupera sua relação com o ambiente, estimulando todos os sentidos (e não unicamente a visão), a fantasia, os sonhos. Buscando a formação do homem completo, em um mundo em que a ecologia ainda é uma enteléquia.
O final do século XX constata a dificuldade de se encontrar a linguagem exata e a expressão definidora do jardim contemporâneo. Seguindo os passos de seu mestre - Burle Marx -, Silva Delgado está à procura desta expressão na Espanha.
A criação de jardins e o desenho da paisagem apresentam exigências cujo perfil dificilmente se encaixa na estrutura das profissões tradicionais. A arquitetura, a agronomia e a engenharia têm pontos em comum com a profissão de paisagista. De certa forma, a dança e o teatro também, assim como a geometria, a botânica e a pintura. Mas é o papel do tempo que terá uma influência ineludível e misteriosa sobre a expressão do jardim.
Tudo começou com uma das últimas encomendas recebidas por Silva Delgado para projetar um jardim para cegos. Um espaço prioritariamente visual para quem não é capaz de ver. O resultado foi um espaço topológico situado no tempo e com uma visualização aberta ao toque, ao olfato e à audição. Nesse sentido, Silva Delgado pensou em termos teatrais de posição na cena, de coreografia de balé, muito mais do que em termos de arquitetura; teve de descobrir quais flores atraem determinadas espécies de borboletas e pássaros; quais são os sons produzidos pela queda d'água sobre diversas folhagens; quais as texturas dos caminhos para que possam ser identificados mesmo quando se bifurcam. Em resumo, o jardim como um hortus aberto, como uma obra aberta, uma obra para estimular, para fazer vibrar os sentidos, para servir de orientação, para enxergar até em meio às trevas.
Mas Leandro Silva Delgado deu um passo à frente - para o leste, para sermos mais precisos. Ao colocar suas descobertas do jardim para cegos nos jardins para quem tem o domínio da visão, ao transformá-los em sistema, introduziu uma inflexão totalmente inédita na concepção ocidental de jardinagem.
Desta forma, Silva Delgado inventou "perceptogramas" que lhe permitem constatar, em local e momentos determinados, a intensidade dos parâmetros auditivos, táteis, olfativos e visuais.
A distorção causada pela percepção visual será compensada por outros aspectos do espectro sensorial.
Por tudo isso, Silva Delgado poderia assinar seus jardins gravando sobre a pedra: Et in Arcadia Ego.
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| Nasceu em Salto, Uruguai, em 1930. Estudou desenho e pintura com José Cuneo. Foi professor adjunto da Escola Superior de Paisagismo de Versalhes, França; e professor de jardinagem histórica em Madri e Segóvia, Espanha, Montevidéu, Uruguai, e Versalhes, França. Em 1955, freqüentou o escritório de Roberto Burle Marx, no Rio de Janeiro. Atualmente é professor convidado no curso de pós-graduação de paisagismo da Faculdade de Arquitetura de Montevidéu. Vive e trabalha em Segóvia, Espanha.
Exposições individuais e projetos
1995 El Jardín en el Arte Contemporáneo, Círculo de Bellas Artes, Madri, Espanha; jardins particulares em Madri e Sotogrande, Espanha. 1990/95 Galeria Sur, Punta del Este, e Galeria Bruzzone, Montevidéu, Uruguai. 1989 Galeria Sur, Punta del Este, Uruguai. 1988 Galeria Bruzzone, Montevidéu, Uruguai; Galeria Casa del Siglo XV, Segóvia, Espanha; Galeria Muscade, Paris, França. 1987 Urbanização do Recreo de la Ballena, Cádiz, Espanha; retrospectiva no Museo Nacional de Artes Visuales e projeto dos jardins do museu, Montevidéu, Uruguai. 1985 Jardins do Hotel Bali Sol e jardins complementares do Golf Valderrama, Sotogrance, Cadiz, Espanha. Jardins em Santa Maria de las Niovoc, Toledo, Espanha. 1983 Gravuras e aquarelas na Sociedade das Belas Artes, Lisboa, Portugal; Restauração do jardim de esculturas de Cala Ratjada, Mallorca, Espanha; Galeria Muscade, Paris, França. 1981 Entorno a un Jardín y a un Paisaje, colagens e aquarelas, Galeria Ynguanzo, Madri, Espanha; remodelação da Plaza del Rey, Madri, Espanha. 1978 Parque Urbano de la New Town de Tres Cantos, Madri, Espanha. 1977 Restauração do Real Jardín Botánico de Madrid, Espanha; Arte Actual de Iberoamérica, Museo Español de Arte Contemporáneo e Centro Cultural de la Villa de Madrid, Madri, Espanha. 1975 Desenhos e gravuras, Galeria Propac, Madri, Espanha. 1967 Galeria Marie France Vaisière, Agen, França. 1965 Galeria Vercamer, Paris, França. 1963 Galeria Vercamer, Paris, França; gravuras, Pratt Institute, Nova York, Estados Unidos. 1960 Centro de Artes y Letras de EI País, Montevidéu, Uruguai.
Exposições coletivas
1985 Exposición Internacional de Acuarelas, Asociación de Acuarelistas Vascos, Bilbao, Espanha. 1986 Bienal de Arte Seriado, Sevilla, Espanha. 1981 III Bienal de Obra Gráfica de Seul, Coréia. 1974 Bienal de Obras Gráficas y Arte Seriado de Segovia, Espanha. 1964 Arte Latinoamericano, Museu da Cidade Paris, Paris, França. 1962 Arte Latinoamericano, Museu de la Cidade de Paris, Paris, França. 1958 Exposição Internacional de Porto Alegre, Brasil. 1957 IV Bienal de São Paulo, Brasil; Bienal Hispanoamericana de Barcelona, Espanha. 1956 Salón Nacional de Bellas Artes, Montevidéu, Uruguai. 1955 III Bienal de São Paulo, Brasil. 1950 Salón Nacional de Bellas Artes, Montevidéu, Uruguai.
Prêmios
1982 Prêmio da Melhoria do Meio Ambiente Urbano, pela remodelação da Plaza Del Rey, Campanha Européia do Renascimento da Cidade; Premio del Ayuntamiento de Madrid, Palomeras Sud-Este, Madri, Espanha. 1970 1º Prêmio, Plaza Colón, Madri, Espanha. 1966 Medalha de gravura, Salão Intermacional de Paris, França. 1954 Prêmio ANCAP, Salón Nacional de Bellas Artes, Montevidéu, Uruguai.
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