| Por Joseph Tarrab
Essa Surpresa Cotidiana
Poucos artistas contemporâneos devotaram tanto tempo, energia e paixão ao desenho como Hussein Madi, para quem a visibilidade do mundo inspira um fascínio exuberante que atinge o apogeu na plenitude acabada das flores, frutas, pássaros e cavalos, assim como nas esplêndidas abordagens do corpo feminino em todos os seus estados, posturas e posições.
Não é a aparência material, o grão que compõe a superfície, a textura da pele que atrai seu olhar, afiado como um bisturi, para os seres e as coisas. É sua forma específica, seu volume, a lei que os articula e a integração dos traços e partes, as linhas diretoras dos contornos, as proporções relativas dos elementos, as relações respectivas de vazios e plenos, de espaços positivos e negativos.
São as qualidades inteligíveis invariáveis (em detrimento das qualidades sensíveis variáveis, principalmente a luz: valores, cores, etc.) as principais condicionantes de todo o percurso gráfico e plástico de Hussein Madi; são elas que permitem que ele ultrapasse a concretude em termos abstratos, de reduzi-lo a um conjunto mínimo, organizado rigorosamente por linhas retas e curvas ou polígonos com ênfase em formas triangulares, sem que, paradoxalmente, seu trabalho fique completamente privado da presença'pessoal'.
Também é verdade que ele não recusa completamente a terceira dimensão. Ele utiliza o contraste da luz crua e da cor intensa no plano para construir, por exemplo, cabeças arquitetadas geometricamente. Sem falar de suas 'naturezas mortas' em pastel ou das esculturas em argila ou madeira.
Este minimalismo, porém, que nada mais é do que a habilidade de se restringir a aquilo que é essencial, ao estritamente necessário, faz com que ele fale do todo utilizando o mínimo, conduzindo-o a uma pintura gráfica bidimensional com traços pretos e brancos onde a cor é, no limite, inútil, apesar de ter um papel fundamental, que às vezes ocupa grandes espaços monocromáticos.
Esta bidimensionalidade é particularmente forte nas magistrais esculturas em ferro que são forjadas, em sua grande maioria, a partir de uma placa única de metal, em um só movimento; esta placa é recortada ainda plana e dobrada de modo a criar uma figura tridimensional que exibe uma extraordinária habilidade manipulativa e um domínio excepcional da articulação.
A evolução de seu trabalho, os dois traços, retos e curvos, que, no início, parecem abordar tudo com humor e sobriedade, passam por um processo de refinamento que os reduz a uma só 'faixa' que se dobra e se modula com plena liberdade: largas em uma extremidade e adelgaçadas na outra; é traçada por um movimento único de escova plana que gira sobre si mesma à medida que avança sobre o suporte de modo a criar uma transição contínua entre as duas extremidades, plena e sutil.
Os objetos que mostram estas 'caligrafias' são as 'palavras' desta pintura; às vezes, um quadro consiste de uma só 'palavra'; às vezes, de uma frase; e também pode conter várias 'frases' que se sobrepõem, se imbricam e se conectam em dois ou três registros de cor sem que se confundam ou se embaralhem; cada 'palavra' mantém sua identidade distinta, assim como as idéias do meio-dia se associam em nossos espíritos aos sonhos da manhã e às lembranças de ontem sem, portanto, se confundir com elas.
Era inevitável que a 'legibilidade' das obras de Madi e sua aparente evidência e falsa simplicidade resultassem numa longa devoção, terminando por conduzi-lo à sua abordagem 'caligráfica' atual. Graças à sua dualidade intrínseca, grandes em uma extremidade e delgadas em outra, a mesma 'letra única' pode, (dependendo de seu contexto gráfico), representar vários papéis e funções ao mesmo tempo em que traduz, com espantosa precisão, realidades completamente diferentes: a cabeça de um pássaro tem a mesma forma que o aparelho genito-anal feminino no repertório de Madi - uma espécie de ponto de exclamação. Entretanto, ele não deixa dúvidas a respeito da identidade do objeto representado assim como explicita a forma universal que representa, pois transcreve sem ambigüidade o olho, a boca, o nariz, o contorno arredondado de um rosto, a curva de uma coxa, a forma de um seio, a pluma reduzida de uma asa.
Alcançar, por meio de elaboração e sublimação, um tal grau de unidade em meio à diversidade, confere, sob a enganosa aparência de algo elementar, uma completa e virtuosa liberdade de expressão.
Trata-se de uma verdadeira demonstração de força, sem outra mensagem além da capacidade de encantar - sensação que é renovada todos os dias - os olhos, o espírito, o coração e o corpo que se vêem envolvidos em uma espécie de êxtase sensual frente ao inesgotável espetáculo do mundo, nem outro objetivo senão o do puro prazer de pintar e esculpir essa surpresa cotidiana.
| |
| |
| Nasceu em Chebaa, Monte Hermon, Líbano, em 4 de fevereiro de 1938. Estudou pintura, escultura e gravura no Líbano e na Itália (pintura, escultura e gravura na Academia de Belas-Artes de Roma e mosaico e afresco na Academia de San Giacomo). De 1973 a 1986 foi professor de pintura e escultura do Instituto de Belas-Artes da Universidade Libanesa, em Beirute. De 1982 a 1992 foi presidente da Associação de Artistas Pintores e Escultores Libaneses. Vive e trabalha em Beirute.
Exposições individuais
1996 Obras recentes, Galerie Alice Mogabgab, Beirute, Líbano. 1995 Galerie Green Art, Dubai, Emirados Árabes Unidos; Coleções particulares, Galerie Alice Mogabgab, Beirute. 1993 Collages, Galerie Rochane, Beirute; Galerie Atassi, Damas. 1992 Yarzé Country Club, Beirute. 1990 Galerie 50 x 70, Beirute. 1989 Peintures, Galerie Platform, Beirute; Desins et Gravures, Galerie Platform, Beirute. 1988 Sculptures, Galerie Platform, Beirute; Pastels et Aquarelles; Galerie Platform. 1985 Petra Bank Art Gallery, Amã, Jordânia. 1984 Galerie Platform, Beirute; Bienal do Kuait; Bienal de Arte Gráfica, Bradford, Inglaterra. 1983 Aeroporto de Jeddah, tapeçarias murais, Arábia Saudita. 1981 Mandaloun, Dbayé, Líbano. 1980 Galerie Antique Beyrouth, Beirute 1979 Retropectiva, Chambre de Commerce, Beirute. 1976 Galeria Esagono, Lecce, Itália. 1975 Galeria Novelli, Verona, Itália. 1974 Galerie Modulart, Beirute; Bienal de Bagdá, Iraque. 1973 Galeria Trifalco, Roma, Itália; Galerie Contact, Beirute. 1972 Galeria Cavour, Milão, Itália; Alger 1971 Galeria La Stadera, Sulmona, Itália. 1970 Centro International de Arte Poliedro, Roma; Galeria Soligo, Roma; Galeria Magnagraccia, Taranto, Itália. 1968 Dar el Fan, Beirute. 1968 Galeria Poliedro, Roma. 1965 Associação de Artistas Libaneses, Beirute; Bienal de Alexandria.
Exposições coletivas
1994 Dubai, Emirados Árabes Unidos. 1989 Barbican Center, Concourse Gallery, Londres, Inglaterra; Institut du Monde Arabe, Paris, França. 1982 Musée Sursock, Beirute. 1980 Galerie Faris, Paris; Douzième Festival International de Peinture, Cagnes-sur-Mer, França. 1978 Exposição internacional de gravura, Lecce, Itália; exposição com Samia Tutunji, Beirute. 1977 Exposição com Samia Tutunji, Beirute. 1976 Exposição de Arte Islâmica, Londres. 1974 Exposição com Samia Tutunji, Beirute. 1972 Museu Ueno, Tóquio, Japão; Ministério do Turismo, Roma; Galeria Trifalco, Roma; Galeria Cortina, Milão; Galeria Contini, Roma 1968 Dar el Fan, Beirute.
Coleções
Museu de Arte Moderna de Doha, Qatar; British Museum, Londres; Ministério da Educação e de Belas Artes, Beirute; Fundação Schumann, Amã, Jordânia; Chase Manhattan Bank, Nova York, Estados Unidos.
Prêmios 1974 1º prêmio de gravura, Lecce, Itália. 1968 Prêmio de escultura do Centro Cultural Italiano, Musée Sursock, Beirute. 1965 1º prêmio de pintura, Musée Sursock, Beirute.
| |
|
|