| Por Tsong-Zung Chang
O Laboratório Invertido de Ho Siu-Kee
Os inventos mecânicos criados por Ho Siu-kee ao longo dos anos não podem ser qualificados de trabalhos artísticos como tais. Quase todos são engenhocas e engrenagens projetadas como ferramentas para experiências. Como equipamentos em uma oficina, são evidências silenciosas de um movimento contínuo de perguntas, mas o mais desconcertante a respeito desses experimentos é que eles tentam ensinar o corpo humano a fazer coisas que já são conhecidas.
Contact Point é um mecanismo vibratório que emite pulsões até o braço, provocando uma encrespação na superfície da água no ponto em que o dedo a toca. Walking Machine é um invento que simula o movimento de caminhar somente quando anexado à perna. Flying Machine realiza movimentos oscilatórios quando puxado por meio de um par de polias; sendo na realidade pregado no chão. Resumidamente, nenhuma dessas máquinas é para qualquer tipo de uso. Elas não fazem, como corpos de engenhocas, exercícios ou funções ampliadas do corpo; o que elas exercitam é somente a imaginação.
São máquinas de sonho. Foram construídas como lembranças de sonhos acerca da existência humana. Flying Machine ecoa o famoso desenho de Leonardo da Vinci, que marca a partir dos pontos estendidos dos membros na circunferência o homem idealmente proporcionado. Para Ho é significativo que o homem de Leonardo seja adaptado para este círculo ideal, em vez de ser ajustado dentro da própria geometria. Para atingir uma imagem ideal, o homem aspira a ser mais do que é: ele torna-se seu próprio criador. Dada a presença do avião atualmente, a máquina de Ho parece lembrar que em sua existência natural o homem realmente não voa; voar começou como uma idéia. Máquinas que são inúteis são máquinas verdadeiramente humanas, porque servem ao sonho e à imaginação, às virtudes humanas essenciais.
Através dos tempos, a fabricação de equipamentos e inventos fascinou artistas e cientistas similarmente, mas a intenção esteve sempre próxima da criação de invenções práticas. É a moderna sensibilidade pós-industrial que nos deu artistas obcecados por máquinas absurdas, simulacros. Os futuristas teceram elogios à era industrial, mas outros estavam mais atemorizados quanto à sua eficácia. Francis Picabia ficou fascinado pelos mecanismos como metáforas da mente humana, e os experimentos ilógicos de Marcel Duchamp sugeriam uma ordem oculta para além de seus mecanismos eróticos. Os equipamentos mecânicos de Ho prestam homenagem aos primeiros mestres do Modernismo, e examinam a direção que as máquinas dão à nossa consciência do corpo. Em vez de admitir o papel dos mecanismos como o de um membro excessivamente desenvolvido, Ho criou equipamentos que tornam o corpo uma extensão da máquina: um equipamento imita aquilo que o corpo já conhece (por exemplo: caminhar, respirar). Porém, colocando o corpo em sua lógica mecânica, o equipamento realmente retarda os instintos naturais do corpo, assim é se forçado a repensar as habilidades físicas inatas.
To walk on two balls recria a sensação de aprendermos a andar e Gravity hoop rapidamente move a perspectiva do horizonte, colocando-o em um ângulo virado de pernas para o ar. A demora na resposta dos reflexos restabelece uma percepção mental. Esse lapso de tempo, criado por um equipamento baseado na imagem do homem, é o espaço criado pelo conhecimento e pela imaginação.
Ho Siu-kee sempre foi fascinado pelo mito chinês da criação, que narra a separação abrupta do céu e da terra por Pan Gu, o homem primordial. A esfera do mundo foi criada através do crescimento diário de Pan Gu, que afinal atinge tamanha altura que o céu e a terra são empurrados imensuravelmente para muito longe. Esse mito simboliza para Ho a maneira como nós crescemos para conhecermos nosso mundo através do estiramento de nossos corpos físicos. Para Ho, objetos de arte são simples engrenagens que ajudam o homem em seu estiramento.
Ho Siu-kee não aspira a um total envolvimento de ordem intelectual. O propósito de sua arte é essencialmente restaurador; o conhecimento significa conhecer nossos instintos. Ele está contente com seu laboratório de acessórios e dispositivos que flexionam os músculos de nossas mentes. Se existe uma lei da física que estabelece uma metáfora básica para a ciência de Ho, esta é uma versão poética da lei da conservação, que sela o circuito de transformação entre matéria, energia e conhecimento. A energia armazenada pela elevação do observador, de cabeça para baixo, no gravitacionalmente reversível Gravity Hoop é transformada em novo conhecimento. A experiência sufocante de Closed System metamorfoseia-se em uma experiência de um completo ecossistema. Na mente de Ho Siu-kee, o mundo da matéria e do homem são ligados imaginativamente, e não há realmente nada de arte, apenas exercícios para a mente.
Como artista de Hong Kong, tudo aquilo que a arte de Ho Siu-Kee representa parece ir contra o espírito do lugar. Hong Kong é racional, freneticamente eficiente e preocupada com desempenhos; sua educação é orientada para as 'ciências' e sem questionamentos sobre o mundo 'real'. A arte de Ho é perfeita para Hong Kong, para ser erroneamente interpretada, mal-entendida como forma de inadequada pseudociência; o que ironicamente é também o que ela é. Em um nível metafórico, Ho representa a insegurança rabugenta que corre por baixo, semelhante à envergonhada cultura racional. E recordando o incerto destino histórico de Hong Kong, é contra a energia cega de tal cidade que a penosa busca do absurdo artístico de Ho torna-se mais pungente.
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| Nasceu em Hong Kong, em 29 de maio de 1964. Entre 1981 e 1984 obteve o diploma de design gráfico no First Institute of Art and Design, em Hong Kong. Em 1989, recebeu o bacharelado em artes pela Chinese University of Hong Kong; em 1990, o diploma de educação, arte e design pela Chinese University of Hong Kong. Fez mestrado em escultura pela Cranbrook Academy of Art, em Michigan, Estados Unidos.
Exposições individuais
1996 Body/Space-Mixed Media, Visual Arts Center, Hong Kong. 1990 Siu-Kee Ho, Fine Art Department, University of Hong Kong, Hong Kong.
Exposições coletivas
1996 Installation Art Festival '96, Hong Kong Visual Arts Research Society, Hong Kong; New Horizon in Art, Hong Kong Museum of Art, Hong Kong. 1995 M.F.A. Degree Show, Cranbrook Academy of Art, Michigan, Estados Unidos. 1992 The 4th Exhibition, Federation of Asian Fine Art Association, Coréia; City Vibrance Exhibition - Recent works in Western Media by Hong Kong artists, Hong Kong Museum of Art, Hong Kong. 1991 Modern Chinese Ink Painting by Hong Kong Artists, Xangai e Nanquim, China; Chile Biennial Art Exhibition, Valparaíso, Chile; Environmental Drawing, Hong Kong Museum of Art, Hong Kong. 1989 Exhibition of Asian Watercolour Confederation, Bancoc, Tailândia; Contemporary Hong Kong Art Biennial Exhibition, Hong Kong Museum of Art, Hong Kong.
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