| Por Patricia Glinton-Meicholas
Junkanoo Jam Jubilee
Junkanoo. Para os nativos das Bahamas essa palavra vai além do conceito de 'festival' ou de 'Mardi Grass'. Nas Bahamas a própria palavra traz experiências viscerais das raízes, combinações caleidoscópicas de cores e um sentimento invasivo de ritmo e movimento, tudo reunido em um laço que influencia as vidas das pessoas muito além do desfile do festival.
Em breve, outras pessoas que não pertencem ao nosso país sentirão a paixão e a energia de Junkanoo pela extraordinária série de pinturas, cuja denominação coletiva é Junkanoo Jam Jubilee, resultado do trabalho de importantes artistas das Bahamas, como Stan e Jackson Burnside e John Beadle.
Feitas com acrílico sobre tela, em tamanhos que vão de 91.5X70 cm até o impressionante tamanho de 132X381 cm da peça intitulada Enigmatic Funkification, as pinturas são a terceira coleção da série denominada Jammin, lançada por esses brilhantes coloristas há aproximadamente quatro anos. Uma imagem de Jammin'II representa as Bahamas no volume 37 do novo Dicionário de Arte de Macmillan. Além da óbvia gratificação visual oferecida ao espectador, as pinturas Jammin ganharam um lugar na história da arte das Bahamas por outra razão: elas criaram um novo estilo. A interpretação exclusiva de Burnside, Burnside e Beadle do expressionismo abstrato começou a influenciar o trabalho de diversos artistas das Bahamas.
As séries Jammin vão além do que poderia ser considerado comum porque são o resultado da cooperação criativa de três artistas diferentes. Os pintores utilizaram uma técnica que imita as mecânicas dos artistas junkanoo, que criam roupas espetaculares para os dois desfiles anuais de Boxing Day (Natal) e de Ano-Novo, mas que nunca tinham sido utilizadas como pinturas. O que faz de Jammin algo muito especial é que as telas são o produto de uma pintura espontânea e não planejada, realizada por artistas cujos estilos pessoais são claramente diferentes. A harmonia que vemos na tela pode apenas ser explicada por um ethos compartilhado, que celebra a terra e o legado das Bahamas, particularmente suas raízes africanas, o que os eleva a uma dimensão mística.
O mundo de Jammin (e particularmente Junkanoo Jam Jubilee) é predominantemente o mundo das antigas cidades de New Providence, a ilha onde está situada a capital das Bahamas. Na época da emancipação, essas cidades foram consideradas comunidades para africanos libertos. Elas tornaram-se o lugar de encontro para se guardar a cultura africana e, mais adiante, o conhecimento de homens e mulheres que passaram muitos anos como trabalhadores contratados em plantações nos Estados Unidos. Muitas das personalidades mais importantes das Bahamas surgiram do que antigamente foram orgulhosas comunidades mas que, uma vez transformadas em subúrbios, acabaram sendo guetos. Estes, porém, não são os guetos estéreis e de concreto dos países mais desenvolvidos. O Backdrop é formado por casas de madeira. Em cada casa mora apenas uma família; muitas vezes elas já estão velhas e quase caindo. Crianças e animais crescem soltos e a exuberância das frutas tropicais e das hortas familiares ajuda a manter os precários orçamentos.
Junkanoo Jam Jubilee é diferente de Jammin'II. Enquanto a presente coleção exalta a luz e a vida, Jammin'II explora o lado escuro e fervilhante do gueto. É também uma celebração, mas que homenageia as vitórias, mais do que o trabalho intenso. Por exemplo, a mulher negra cansada que passa roupa foi transformada na madona por excelência das Bahamas. A filosofia que guia estes trabalhos sempre vai além da diáspora negra para abranger o sofrimento daqueles que ainda vivem na antiga pátria, como fica patente na tela conhecida como Breakfast in Somalia ou Children of Somali.
Todas as pinturas da série nos levam a cantos escondidos, para dar uma olhada na vida das Bahamas da perspectiva de alguém que se encontra no privilegiado círculo do filho nativo. Aqueles que dedicarem tempo para conseguir uma intimidade com Junkanoo Jam Jubilee verão aspectos fascinantes da cultura tradicional das Bahamas. Os próprios títulos escolhidos para essas telas evocam o léxico do dialeto das Bahamas. Chicken Ger Lalla, por exemplo, é uma estrofe de um dos jogos de argola que diversas gerações de crianças das Bahamas conhecem.
O trabalho dos Burnside e de Beadle é sobre sinestesia, cores e linhas que compõem um ritmo, e isso não é diferente nesta série. Sentimos que Junkanoo 'vibra' sincopado com sinos de vacas, tambores de pele de cabra e os berrantes, além dos peculiares passos de dança dos bailes de máscaras. Vemos a música de um estilo antigo de banda rake and scrape, um grupo de músicos que arranca suavemente acordes dissonantes de uma serra com uma faca ou qualquer outro instrumento de metal, um acordeão e uma tina que faz o papel de baixo, instrumentos tipo 'Cinderela' que, devido à pobreza, são construídos com utensílios domésticos e animam os bailes populares. As mulheres conversam em volta de baldes de latão nos fundos de uma casa de madeira, uma cena que é um clichê e que, ao mesmo tempo, está cheia de possibilidades de acontecimentos imprevistos. Como se fosse o dono do terreiro, um enorme galo atravessa a tela intitulada Chicken Gerlalla, com as penas das asas se transformando em folhas de palmeira.
Junkanoo Jam Jubilee não é para os preguiçosos. A coleção não foi destinada ao visitante de galeria que se satisfaz com algumas olhadas às obras enquanto conversa com amigos. Sem a ajuda da tecnologia computadorizada, estes inteligentes artistas criaram imagens de 'olho mágico' que forçam o espectador a brincar com seu ponto de foco para poder ver uma imagem dominante surgir da camuflagem de uma massa confusa de imagens menores.
Como os filmes de ação, estas pinturas estão cheias de cortes rápidos, vistas panorâmicas, zooms e close-ups, sem dar nenhuma dica ao espectador. Muitas estão cheias de golpes de braços e pernas, flashes de cores em rápida mutação que determinam que o caráter ou a cena mudam. O que é mais surpreendente é que a ação não se mexe sobre o plano e sim dentro do plano. Em uma espécie de prestidigitação, os artistas colocaram camada em cima de camada, cada uma delas fundindo-se na outra e mesmo assim, permanecendo diferente.
Junkanoo Jam Jubilee faz jus ao seu nome. É junkanoo porque tem a simplicidade de reunir cores primárias com um abandono quase erótico, mas que nunca são pegas de surpresa. Ao contrário, elas se harmonizam como os versos de um bom poema. A coleção é também o jam dos pintores-músicos das Bahamas, que falam aos sentidos se valendo de luzes e tintas. É um jamboree, mas é também uma prece genuína pelo mundo e pelo povo que deu origem a esses homens.
Nota: A melhor maneira de se apreciar um Junkanoo Jam Jamboree é à luz de um dia nas Bahamas, mas esse prazer não pode ser proporcionado ao público internacional porque esta mercadoria não pode ser transportada.
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| Stan Burnside, John Beadle e Jackson Burnside nasceram em Nassau, Bahamas. Os três são designers da premiada "One Family" Junkanoo Organization e membros fundadores do Bahamian Creative Artists United for Serious Expression (B-Cause). Os três já realizaram numerosas exposições coletivas e individuais nas Bahamas e no exterior. Stan Burnside é formado pela Universidade da Pensilvânia e é o criador do popular Sideburns, um famoso cartum político das Bahamas. É também curador e diretor criativo do Bahamas Junkanoo Expo, em Nassau. John Beadle é formado pela Rhode Island School of Design e pela Tyler School of Art, Temple University. É diretor de arte dos Doongalik Studios. Jackson Burnside estudou arquitetura e belas-artes na Universidade da Pensilvânia e tem diploma do Studio Louis I. Kahn. Trabalha como arquiteto e é presidente dos Doongalik Studios.
Exposições
Jammin' I, Bahamian Art Gallery, Nassau, Bahamas; Jammin' II, Brent Malone Gallery, Nassau, Bahamas; Junkanoo Jam Jubilee, Camille Love Gallery, Atlanta, Estados Unidos.
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