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Dawn
1995. Óleo s/ tela, 150x300 cm. Foto: Hanart T.Z. Gallery



Pintando à Margem da Visibilidade: A Arte de Qiu Shi-Hua

Editado por Chang Tsong-Zung

À margem da visibilidade, uma contemplação torna-se uma visão. As pinturas de Qiu Shi-Hua procuram trazer o observador de volta ao ponto de partida, onde a visão começa a diferenciar as formas e a mente constitui um mundo visual.

A jornada artística de Qiu tem sido a procura dos limites da pintura. Ele não vai além desses limites. Qiu permanece dentro dos parâmetros de perspectiva, cor e forma. Ele não transgride. O que ele faz, entretanto, é desafiar o conceito convencional de visibilidade. Levando-nos a outras extensões de visibilidade, Qiu transforma a pintura e o observador em um exercício espiritual.

Aproximamo-nos da pintura de Qiu como se entrássemos devagar dentro da névoa da manhã. A alvura domina, alterando-se para uma variedade de tonalidades. Gradualmente, os olhos percebem o panorama: as indefinidas dobras das árvores e o tênue bosque ao longe. Eventualmente, alguém parece olhar ou sentir todos os detalhes, até mesmo o jogo de luzes nos tufos de forragem. A maioria de suas pinturas dá a impressão de irromper para o mundo no momento de sua plenitude, quando os mistérios estão a ponto de serem revelados: luz ao amanhecer, primeiros sinais da escuridão ao cair da tarde, o momento em que o som quebra a plenitude do silêncio.

Após graduar-se na Academia de Arte de Xi'an, em 1962, Qiu teve empregos pouco relevantes e sobreviveu durante a Revolução Cultural (1966-1976) como pintor de letreiros para um cinema. Depois de 1976, ele retornou à Academia de Arte de Xi'an, onde permaneceu até 1984. Durante 22 anos, Qiu viveu nas vastas e amareladas planícies do noroeste da China, à margem de desertos remotos. Seu panorama não ia muito além de terra e céu, mas ainda assim ele percebia uma riqueza de variações no cenário. Qiu descobriu que, quando a mente está completamente tranqüila, no grau zero, os sentidos tornam-se plenamente alertas, capazes de celebrarem as sensações mais delicadas e de se deleitarem com o sabor insípido da água. A arte de Qiu procura trazer a mesma sensibilidade à mente do observador. "Minhas primeiras pinturas relacionavam-se principalmente com emoções, assim elas eram carregadas de melancolia. Agora, estou mais interessado na 'origem', a gênese da experiência", diz ele.

Para Qiu, a plenitude da experiência chega no instante imediatamente anterior ao surgimento da forma; uma pintura deve capturar o espírito desse instante. O que vem antes da forma é 'espírito' e 'ritmo', que produzem energia harmoniosa. Esse momento, quando energia e vida ainda devem se separar em formas específicas, contém toda uma gama de possibilidades e, por isso, é a fonte de vida. É o momento de criatividade procurado por Qiu. A mente criativa atinge esse estado por meio da contemplação, e o caminho seguido por Qiu é o da meditação taoísta. Na meditação, o cosmo surge como uma névoa branca e cada um se encontra consigo mesmo em um mundo de luz branca. Em tal estado, tempo e espaço tornam-se imateriais; as paixões humanas não têm lugar. É o lugar onde a mente encontra refúgio, sem buscar visão ou imaginação.

O primeiro contato de Qiu Shi-Hua com o taoísmo foi por intermédio de seu pai, um homem lacônico, que o levou aos templos que sobreviveram à devastação causada pela Revolução Comunista. Nesses templos desertos, eles não faziam nada além de sentarem-se em silêncio por horas. Qiu lembra-se de ter ficado confuso mas impressionado com a serenidade da atmosfera.

Qiu aproxima-se do estado de quietude em sua pintura reduzindo a agitação sensorial da imagem. Todos os elementos de contraste, como luz, cor e forma, são reduzidos ao mínimo. Os olhos são forçados a distinguir entre tonalidades de branco sobre branco. Dentro dessa sutil gradação de tons, a forma é definida pela diferenciação mais tênue. Qiu trabalha com um axioma de economia, visando a capturar o mais completo conteúdo substancial com o mínimo de material tocado pela pintura.

Quando a mente é instigada a responder ao mais insignificante estímulo de sugestão, o conceito e a imaginação vêm juntos para realçar a visão. O observador é até capaz de enxergar uma realidade mesmo mais aguçada do que aquela que o próprio artista pretendia. Como resultado, a experiência de ver é paradoxalmente enriquecida pela eliminação da informação visual.

O universo pictórico de Qiu é o reino da leveza da luz e da energia. Sua substância não se encontra em corpos físicos, mas em presenças. Pela já mencionada falta de formas, o artista atinge a plenitude das formas. Lao Zi disse: "Quanto mais conhecimento alguém emite, tanto mais Tao alguém ganha". Dentro da perspectiva da arte chinesa, a obra de Qiu parece ser a redescoberta de uma fonte de tradição, na qual a arte da mente é criada em favor da glória da natureza.

A tradição da arte ocidental, particularmente a pintura a óleo, tem uma história relativamente curta na China. Mas a doutrina do realismo da arte ocidental tornou-se regra na educação artística sob o regime comunista. A arte de Qiu Shi-Hua nasceu fora dessa regra, mas se modificou para unir-se à grande tradição chinesa de pintura de paisagens. Para a arte clássica chinesa, a natureza é um reino idealizado, onde o mundo fatigado busca harmonia e tranqüilidade. Sem descartar seu aprendizado em pintura a óleo, Qiu transformou essa técnica em uma voz contemporânea dentro da tradição chinesa, para lembrar-nos que o movimento da arte transcende as fronteiras culturais, falando diretamente às nossas almas.

A crença na sublimidade da natureza sustentada por Qiu Shi-Hua encontra seu paralelo mais próximo na arte ocidental nos artistas românticos. Não é fortuito que Qiu tenha em grande estima artistas como Friedrich, Constable e Turner. Mas talvez uma comparação mais proveitosa possa ser feita com artistas contemporâneos, nos quais a herança romântica dirigida ao trabalho artístico apresenta um parentesco de sensibilidade com as obras de Qiu. As paisagens borradas de Gerhard Richter vêm naturalmente à mente. Richter disse: "Acredito totalmente que nós ainda não fomos além do romantismo. As pinturas dessa época ainda são uma parte de nossa sensibilidade" (Catálogo, Centre Pompidou, Paris, 1977). Embora ele defenda diversos estilos, sua atitude de considerar a criação artística uma força da natureza - a arte cria assim como a natureza - acrescenta sentido às suas paisagens figurativas. "Você não pode representar a realidade. O que você faz é somente representar a si mesmo; em outras palavras, é a sua própria realidade" (Richter, 1972). A sedutora qualidade da pintura de Richter situa-se no desejo de uma visão enigmática, indefinível. Enquanto a natureza romântica abre a perspectiva do homem para o insondável, com insinuações sobre uma visão trágica, o reino do informe na natureza taoísta abrange o caos e a origem pura. O enigma que Qiu investiga em suas pinturas é o centro espiritual da existência humana, situado no coração do mistério dessa natureza taoísta. O reino do informe também aponta para o estado mental anterior ao pensamento e à visão, no qual residem a intuição e a sabedoria. Se a arte de Qiu tem um propósito, este é o de inspiração para a mente meditativa, conduzindo o observador à sua própria natureza.

Qiu Shi-Hua sobre a Arte da Pintura

Imagine a mente em estado de dormência, a zero grau; nesse caso o mundo pareceria muito claro e vivo. Seria como se tivéssemos papilas gustativas tão sensíveis que até um copo de água teria um gosto forte. Começar do início, aniquilar o eu social; aí o eu original se tornará verdadeiramente sensível.

Do ponto de vista taoísta - o cânone clássico dos pintores, - "o fluxo da vida e do ritmo" é comparável ao ritmo da respiração, do ar entrando e saindo. Nesse estado não se pode falar nem de amor nem de ódio; também não se trata de felicidade ou de tristeza. Tudo fica tranqüilo. Só percebemos o movimento de um coração verdadeiro, como durante a aurora.

Minhas primeiras pinturas relacionam-se principalmente com emoções, assim eram carregadas de melancolia. Agora estou mais interessado "origem", na gênese da experiência. Quando estou pintando, não penso na estrutura do tema; o que procuro é um certo "sabor" - um ritmo de espírito e energia, de forma que a alma seja levada pela pintura, como uma sombra da mente. Tudo é uniforme e calmo. A " forma" não é importante. É como estar em estado meditativo, quando todo o cosmo se parece com uma bruma branca, e nos encontramos num mundo de luz branca. Aqui, o tempo e o espaço parecem estar anulados. As paixões humanas não importam.

Busco visões que vão além do mundo visual, mas também procuro ser 'completo' quando represento o mundo objetivo e procuro dar-lhe vida. Se o espectador 'entrar' em minha pintura, vivenciará sua realidade; embora aquilo que ele fisicamente 'vê' se modifique de acordo com o seu humor, a ponto de, às vezes, as pinturas parecerem mais ricas do que o normal. Acredito que um bom quadro, mesmo uma simples imagem de uma floresta, deveria ser suficientemente rica para permitir a seu espectador explorá-la tão profundamente como desejasse. O leigo busca histórias e objetos na arte, mas o que faz a arte ser tão interessante é precisamente aquilo que está além. Os ocidentais chamam isso de 'espírito'; os taoístas o denominam de 'espírito primordial'. É claro que qualquer coisa solene ou poderosa é 'espiritualizada', mas poucos se dão conta de que o 'não-espírito' também é um aspecto do 'espírito primoridial'. O 'não-espírito' existe antes da comunhão do ying e do yang, a harmonia do espírito e do ritmo. Uma boa pintura, portanto, deve ao mesmo tempo possuir e não possuir um centro; deve possuir um equilíbrio de densidade e ao mesmo tempo não o possuir. Somente assim é que uma pintura pode cativar o espectador.

O objetivo do taoísmo é cultivar a 'eternidade', portanto, todas as preocupações taoístas são dirigidas a questões de vida e morte. Eu compreendo essa atitude taoísta de 'não-fazer' como sendo o estado de não estar nem à frente nem atrás, de não estar nem avançando nem regredindo. É aí que podemos encontrar a harmonia.















































































































Cronologia
Nasceu em Sichuan, na China, em 1940. Em 1962, graduou-se na Xi'an Art Academy, especilizando-se em pintura a óleo. Participou de inúmeras exposições no país e seus trabalhos fazem parte de várias coleções na China e em outros países. É membro da Associação de Artistas Chineses. Mora e trabalha em Shenzhen, China.


Exposições individuais

1991
Hanart Gallery, Taipé, Taiwan; Hanart T Z Gallery, Hong Kong.
1990
Alliance Française, Hong Kong.
1987
Paris, França; Dijon, França.


Exposições coletivas

1996
China, Kunstmuseun, Bonn, Alemanha.
1992
The First Annual Exhibition of Chinese Oil Painting, Hong Kong.
1986
Chinese Art Festival, La Défense, Paris, França.