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La Muse 1935. Óleo s/ tela, 130x162 cm. Musée National d'Art Moderne, Centre Georges Pompidou, Paris, França |
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Picasso: O Corpo a Corpo com a Pintura |
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| Por Octavio Paz
A vida e a obra de Picasso confundem-se com a história da arte do século XX. É impossível entender a pintura moderna sem Picasso, mas é também impossível entender Picasso sem ela. Não sei se ele é o melhor pintor de nossa época. Sei que sua pintura, em todas as suas mudanças brutais e surpreendentes, é a pintura de nossa época. Quero dizer, com isso, que sua arte não está à frente de sua época, contra ela ou à parte dela. Também não é uma profecia da arte do amanhã ou uma nostalgia do passado, como foi a de tantos grandes artistas em desacordo com o seu mundo e o seu tempo. Picasso nunca se manteve à parte, nem sequer no momento da grande ruptura que foi o cubismo. Mesmo quando foi contra, foi o pintor do seu tempo. Uma extraordinária fusão do gênio individual com o gênio coletivo...
Apenas acabado de escrever isso, detenho-me. Picasso foi um artista inconformado, que rompeu a tradição pictórica, viveu à margem da sociedade e, às vezes, em luta contra a sua moral. Individualista selvagem e artista rebelde, a sua conduta social, vida íntima e estética regiam-se pelo mesmo princípio: a ruptura. Como é possível, então, dizer que ele é o pintor representativo de nossa época?
Representar significa ser a imagem de uma coisa, a sua perfeita imitação. A representação requer não só a concordância e a afinidade com aquilo que se representa, mas também a conformidade e, principalmente, a semelhança. Assemelha-se Picasso a seu tempo?
Eu já havia dito que assemelha-se tanto que essa semelhança torna-se identidade: Picasso é o nosso tempo. Mas sua semelhança brota, justamente, de sua inconformidade, negações e dissonâncias. Em meio à desordem anônima da publicidade, preservou-se. Foi solitário, violento, sarcástico e, não poucas vezes, desdenhoso. Soube rir do mundo e, em certas ocasiões, de si próprio. Esses desafios eram um espelho no qual toda a sociedade via-se: a ruptura era um abraço e o sarcasmo, uma coincidência. Assim, suas negações e singularidades confirmaram a sua época: os seus contemporâneos reconheciam-se nelas, embora nem sempre as entendessem. Sabiam vagamente que aquelas negações eram também afirmações. Sabiam também, com esse mesmo saber vago que, fosse qual fosse o seu tema ou intenção estética, esses quadros expressavam (e expressam) uma realidade que é e não é a nossa.
Não é a nossa porque esses quadros expressam um além. É a nossa porque esse além não está antes nem depois de nós, mas exatamente aqui: é aquilo que está dentro de cada um. Melhor dizendo, aquilo que está subjacente: o sexo, as paixões, os sonhos. É a realidade que cada civilizado traz dentro de si, a realidade indomada.
Uma sociedade que nega a si própria e que fez dessa negação o trampolim dos seus delírios e utopias está destinada a reconhecer-se em Picasso, o grande niilista e, também, o grande apaixonado. A arte moderna foi uma sucessão ininterrupta de saltos e mudanças bruscas. A tradição, que fora a do Ocidente desde o Renascimento, foi rompida uma e outra vez, tanto por cada novo movimento e seus manifestos, quanto pelo surgimento de cada novo artista. Foi uma tradição que se apoiou na descoberta da perspectiva, isto é, numa representação da realidade que depende, simultaneamente, de uma ordem objetiva (a ótica) e de um ponto de vista individual (a sensibilidade do artista). A perspectiva impôs uma visão do mundo que era, ao mesmo tempo, racional e sensível.
Os artistas do século XX romperam essa visão de duas maneiras, ambas radicais: em alguns casos, pelo predomínio da geometria e, em outros, pelo predomínio da sensibilidade e da paixão. Essa ruptura esteve associada à ressurreição das artes das civilizações distantes ou extintas, bem como à irrupção das imagens dos selvagens, das crianças e dos loucos. A arte de Picasso encarna com uma espécie de fidelidade feroz - uma fidelidade feita de invenções - a estética da ruptura que dominou o nosso século.
O mesmo acontece com sua vida: não foi um exemplo de harmonia e conformidade com as normas sociais, mas de paixão e 'apaixonamentos'. Tudo aquilo que, em outras épocas, o teria condenado ao ostracismo social e aos porões da arte fez dele a imagem completa e exata das obsessões e dos delírios, dos terrores e das piruetas, das trapaças e das iluminações do século XX.
O paradoxo de Picasso, como fenômeno histórico, consiste em ser ele a figura representativa de uma sociedade que detesta representação. Melhor dizendo: prefere reconhecer-se nas representações que a desfigurem ou a neguem: as exceções, os desvios e as dissidências.
A excentricidade de Picasso é arquetípica. Um arquétipo contraditório, no qual fundem-se as imagens do pintor, do toureiro e do circense. As três figuras foram tema e alimento de boa parte de sua obra e de alguns de seus melhores quadros: o ateliê do pintor com o cavalete, a modelo nua e os espelhos sarcásticos: a arena com o cavalo destripado, o matador que algumas vezes é Teseu e, outras, um boneco de serragem ensangüentado, o touro mítico ladrão de Europa ou sacrificado pela faca; o circo com a cavaleira, o palhaço, a trapezista e os saltimbancos com malhas cor-de-rosa e levantando pesos enormes ("e cada espectador busca em si próprio a criança milagrosa/Oh século de nuvens", Apollinaire, in Un Fantôme des Nuées).
O toureiro e o circense pertencem ao mundo do espetáculo, mas a sua relação com o público não é menos ambiciosa e excêntrica do que a do pintor. No centro da arena, rodeado pelos olhares de milhares de espectadores, o toureiro é a imagem da solidão.
Por isso, no momento decisivo, o matador diz aos seus bandarilheiros a frase sacramental: "Deixem-me só!" Só diante do touro e do público. Ainda mais acentuadamente do que o toureiro, o saltimbanco é o homem dos extramuros. A sua casa é a caravana do circo nômade. Pintor, toureiro e saltimbanco: três solidões que se fundem numa estrela de seis pontas.
É difícil encontrar paralelos à situação de Picasso, a um só tempo figura representativa e excêntrica, estrela popular e artista arredio. Outros pintores, poetas e músicos conheceram popularidade semelhante à sua: Rafael, Michelangelo, Rubens, Goethe, Hugo, Wagner.
A relação entre eles e o seu mundo foi quase sempre harmônica, natural. Em nenhum deles aparece essa relação peculiar que descrevi linhas atrás. Não havia contradição: havia distância. O artista desaparecia em benefício da obra: o que sabemos de Shakespeare? A pessoa ocultava-se, e, assim, o poeta ou o pintor conquistavam um distanciamento que era também uma imparcialidade superior. Entre a Inglaterra elizabetana e o teatro de Shakespeare não existe oposição, mas também não há, ao contrário da Idade Moderna, confusão. A diferença entre eles consiste no fato de, enquanto Shakespeare continua sendo atual, Elizabeth e seu mundo já serem história.
Em outros casos, o artista e sua obra desaparecem junto com a sociedade na qual viveram. Não só os poemas de Marino eram lidos pelos cortesãos e letrados, como também os príncipes e os duques o perseguiam com seus favores e seus ódios.
Hoje, o poeta, seus idílios e sonetos são apenas nomes na história da literatura. Picasso não é Marino. Também não é Rubens, que foi embaixador e pintor de corte: Picasso rejeitou as honrarias e as comendas oficiais e viveu à margem da sociedade - sem nunca deixar de estar no seu centro.
Para encontrar um artista cuja posição tenha sido parecida à de Picasso é preciso dirigir o olhar para uma figura da Espanha do século XVII. Não é um pintor, mas um poeta: Lope de Vega. Entre Vega e seu mundo não há discórdia: há, sim, a mesma relação excêntrica entre o artista e seu público. O destino de Picasso no século XX não foi mais estranho do que o de Lope no XVII: autor de comédias e frade adúltero adorado por um público devoto.
As semelhanças entre Picasso e Lope de Vega são tantas e tão patentes que quase não é necessário deter-se nelas. A mais visível é a relação existente entre a variada vida erótica dos dois artistas e as suas obras. Quase todas elas - romances ou quadros, esculturas ou poemas - estão marcadas ou, mais exatamente, tatuadas pelas suas paixões.
Mas a correspondência entre suas vidas e obras não é nem simples nem direta. Nenhum dos dois concebeu sua arte como confissão sentimental. Mesmo tendo sido passional a raiz de suas criações, a elaboração sempre foi artística. Triunfo da forma ou, antes, transfiguração da experiência vital pela forma: os seus quadros e poemas não são testemunhos de suas vidas, mas surpreendentes invenções.
Esses dois artistas arrebatados foram sempre fiéis ao princípio cardinal de todas as artes: a obra é uma composição. Outra semelhança: a abundância e a variedade das obras. Fecundidade admirável, inesgotável - e incontável. Por mais que pesquisem os eruditos, chegaremos algum dia a saber quantos sonetos, romances e comédias escreveu Vega, quantos quadros pintou Picasso, quantos desenhos deixou, quantas esculturas e objetos insólitos? Em ambos, a abundância foi mestra. Nos momentos débeis, essa maestria era mera habilidade; em outros, os melhores, confundia-se com a mais feliz inspiração. O tempo é o tema do artista, o seu aliado e seu inimigo: ele cria para expressá-lo e também para vencê-lo.
A abundância é um recurso contra o tempo, e também um risco: há muitas obras de Vega e Picasso malogradas pela pressa e pela facilidade. Outras, no entanto, graças a essa mesma facilidade, possuem a perfeição mais rara: a dos objetos e seres naturais. A da formiga e da gota d'água.
Encontramos na vida pública desses artistas a mesma desconcertante fusão da extravagância com a facilidade. A agitação da vida privada de Vega e o seu nomadismo sentimental contrastam com a sua aceitação dos valores sociais e docilidade diante dos grandes desse mundo.
Picasso teve mais sorte: a sociedade na qual coube-lhe nascer foi muito mais livre do que a da Espanha do século XVII. Mas sou injusto atribuindo a independência de Picasso apenas à sorte: ele foi intransigente e leal consigo próprio e com a pintura. Nunca quis agradar o público com sua arte. Tampouco foi instrumento das maquinações de galerias e galeristas.
Nisso, ele foi exemplar, especialmente agora que vemos tantos artistas e escritores correndo apressados atrás da fama, do sucesso e do dinheiro. Duas lepras e uma única degradação: a submissão aos dogmas ideológicos e a prostituição diante do mercado. O partido ou o 'best-sellerismo' e a galeria. No entanto, nem tudo favorece Picasso nessa comparação. Vega foi membro do Santo Ofício e, ao final de seus dias, teve, em virtude de seu cargo, que assistir à morte de um herege na fogueira. A índole da sociedade na qual vivia torna compreensível esse triste episódio.
No entanto, por que escolheu Picasso aderir ao partido comunista justamente no apogeu de Stálin?... Enfim, todas as semelhanças entre o poeta e o pintor resolvem-se em uma única: a sua imensa popularidade não contradizia a complexidade e a perfeição de muitas de suas criações.O fator decisivo, no entanto, foi a magia pessoal. Insólita mistura da graça do toureiro e seu arrojo mortal, da melancolia do circense e sua desenvoltura, da galhardia popular e da malícia. Magia feita de gestos e desplantes, na qual o gênio do artista alia-se aos truques do prestidigitador. Às vezes, a máscara devora o rosto do artista. Mas as máscaras de Vega e de Picasso são rostos vivos.
As semelhanças não devem ocultar as diferenças: são profundas. Duas correntes alimentam a arte de Vega: as formas da poesia tradicional e as renascentistas. Pela primeira, suas raízes se fincam nas origens de nossa literatura; pela segunda, insere-se na tradição do humanismo greco-romano.
Assim, Vega é duplamente europeu. Na sua obra quase não existem ecos de outras civilizações. Os seus romances mouros, por exemplo, pertencem a um gênero profundamente espanhol. Vega vive dentro de uma tradição, enquanto o universo estético de Picasso caracteriza-se, justamente, por romper com essa tradição.
As estatuetas hititas e fenícias, as máscaras negras, as esculturas dos índios norte-americanos, todos esses objetos que são o orgulho de nossos museus, eram obras demoníacas para os contemporâneos de Vega. Depois da queda de Tenochtitlán, atual Cidade do México, os horrorizados espanhóis enterraram na praça central da cidade a colossal estátua de Coatlicue; corroboraram assim que os poderes dessa escultura pertencem ao domínio que Otto chamou de mysterium tremendum.
Em vez disso, para o amigo e companheiro de Picasso, o poeta Apollinaire, os fetiches de Oceânia e Nova Guiné eram "diferentes formas e crenças de Cristo", manifestações sensíveis de 'obscuras esperanças'. Por isso, dormia entre eles como um devoto cristão entre suas relíquias e símbolos.
A ruptura da tradição do humanismo clássico abriu as portas a outras formas e expressões. Baudelaire descobrira o belo "bizarre", os artistas do século XX descobriram - ou melhor: redescobriram - a beleza horrível e seus poderes de contaminação. O belo de Vega rompeu-se. Por entre os escombros apareceram as formas e as imagens inventadas por outros povos e civilizações. A beleza foi plural e, sobretudo, foi outra.
A arte do Ocidente, ao recolher e recriar as imagens deixadas pelo naturalismo idealista da antiguidade clássica, consagrou a figura humana como o cânone supremo do belo. O ataque da arte moderna à tradição greco-romana e renascentista foi principalmente uma investida contra a figura humana. A atuação de Picasso foi decisiva e culminou no período cubista: decomposição e recomposição dos objetos e do corpo humano.
O surgimento de outras representações da realidade, alheias aos arquétipos do Ocidente, acelerou a fragmentação e o desmembramento da figura humana. Nas obras de muitos artistas, a imagem do homem desapareceu e, com ela, a realidade que os olhos vêem (não a outra realidade: os microscópios e os telescópios mostraram que os artistas não-figurativos, tal como o resto dos homens, não podem escapar nem às formas da natureza nem às da geometria).
Picasso irou-se com a figura humana, mas não a apagou. Também não se propôs, como tantos outros, a sistemática erosão da realidade visível. Para Picasso, o mundo exterior foi sempre o ponto de partida e o de chegada, a realidade primordial. Como todo criador, foi um destruidor. Também foi um grande 'ressuscitador'. As figuras mediterrânicas que habitam as suas telas são ressurreições do belo clássico. Ressurreição e sacrifício: Picasso lutava com a realidade um corpo a corpo que lembra os rituais sangrentos de Creta e os mistérios de Mitra na época da decadência. Aqui aparece a outra grande diferença com os artistas do passado e com muitos de seus contemporâneos: para Picasso, a história inteira é um presente instantâneo, é atualidade pura. Em verdade, não há história: há obras que vivem num eterno agora.
Tal como toda a arte desse século, embora mais impetuosamente, a de Picasso é percorrida por uma imensa negação. Ele disse isso alguma vez: "para fazer é preciso fazer contra..."
A nossa arte foi e é crítica. Quero dizer: nas grandes obras dessa época - romance ou quadros, poemas ou composições musicais - a crítica é inseparável da criação. Corrijo-me: a crítica é criadora. Crítica da crítica, crítica da forma, crítica do tempo na novela e do eu na poesia, crítica da figura humana e da realidade visível na pintura e na escultura. Em Marcel Duchamp, que é o oposto de Picasso, a negação do século expressa-se como crítica da paixão e de seus fantasmas. O Grande Vidro, mais do que um retrato, é uma radiografia: A Noiva é um aparelho fúnebre e risível.
Em Picasso, as desfigurações não são menos atrozes, mas possuem um sentimento contrário: a paixão faz a crítica da forma amada e, por isso, as suas violências e sevícias têm a crueldade inocente do amor. Crítica passional, negação corporal. Os lanhos, mordidas, navalhadas e esquartejamento que inflige ao corpo são castigos, vinganças, punições: homenagens. Amor, raiva, impaciência, ciúmes: adoração das formas alternadamente terríveis e desejáveis nas quais a vida se manifesta. Fúria erótica diante do enigma da presença e tentativa de descer até a origem, a cova onde se confundem os ossos e os germes.
Picasso não pintou a realidade: pintou o amor à realidade e o horror de sermos reais. Para ele, a realidade nunca foi real o bastante; sempre pediu-lhe mais. Por isso feriu-a e acariciou-a, ultrajou-a e matou-a. Por isso ressuscitou-a. A sua negação foi um abraço mortal. Foi um pintor sem além, sem outro mundo, exceto o além do corpo que é, em verdade, um aquém. Nisso reside sua grande força e sua grande limitação...
Nas suas agressões contra a figura humana, especialmente a feminina, triunfa sempre a linha do desenho. Essa linha é uma faca que despedaça e uma varinha de condão que ressuscita. Linha viva e elástica: serpente, látego, raio; linha transformada de repente em jato d'água que arqueia, rio tortuoso, caule de álamo, cintura de mulher.
A linha avança veloz pela tela e à sua passagem brota um mundo de formas que têm a antiguidade e a atualidade dos elementos sem história.
Um mar, um céu, algumas rochas, um arvoredo e os objetos diários e os detritos da história: ídolos quebrados, facas cegas, o cabo de uma colher, os guidões da bicicleta.
Tudo volta outra vez à natureza que nunca está quieta e que nunca se move. A natureza que, como a linha do pintor, perpetuamente inventa e apaga aquilo que inventa... Como verão amanhã essa obra tão rica e violenta, feita e desfeita pela paixão e pela pressa, pelo gênio e pela facilidade?
Nota Esse texto, publicado com autorização da Editorial Seix Barral (Barcelona, Espanha), foi escrito originalmente para o catálogo da exposição Los Picassos de Picasso, que inaugurou em 1982 o Museu Rufino Tamayo (México) e editado no volume Sombras de obras, que reúne vários ensaios de Octavio Paz. Suprimimos o primeiro parágrafo do texto, que faz breve referência à exposição do Museu Tamayo e a outras mostras de Picasso. |
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Picasso, o intercessor
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| Por Jean-Hubert Martin
Picasso e sua obra estão tão intimamente ligados ao século 20 e à sua história que não é tarefa simples separá-los. O fator tempo teve um papel primordial neste processo. Poderíamos crer que esta obra feita de contínuas idas e vindas somente poderia ser apreendida por meio de um método de análise iconográfica ou semiológica. Mas, na realidade, ela está tão intimamente ligada à biografia que qualquer abordagem não-cronológica torna-se difícil.
Este fato não surpreende, pois trata-se de um artista que por sua redefinição do espaço pictórico alinha-se no universo dos grandes pintores tidos como heróis desde o Renascimento. Aquele que se reivindica como o destruidor da tradição naturalista, que se impunha há quatro ou cinco séculos, não deixou de dar provas de sua capacidade de desenhar como Ingres e não parou de se comparar e rivalizar com os maiores, retomando à sua maneira o trabalho de Velázquez, Rembrandt, Delacroix e Manet. Este alinhamento deliberado no tempo da história da arte ensejou o comentário de que Picasso talvez fosse o último grande pintor desta longa tradição que ele se esmerou em destruir e sublimar ao mesmo tempo. Seu apego à técnica de pintura de cavalete o liga a esta prestigiosa tradição européia. A colagem, a "assemblage" e numerosos trabalhos efêmeros -e por isso pouco conhecidos e divulgados- o situam como o iniciador de muitos dos movimentos da arte contemporânea. Devemos reconhecer que, apesar das tentativas infrutíferas de atribuir-lhe o papel de precursor, quando não de pai, de uma pintura neo-expressionista que emergiu nos anos 80, ele continua a se manter como uma figura de enorme prestígio, porém sem descendentes diretos no plano pictórico.
Picasso casou com seu século, o qual lhe foi fiel. O casamento foi fértil à medida em que a arte deste século não pode ser pensada sem ele; também porque ele teve a inteligência de absorver todas as descobertas ou iniciativas de seus contemporâneos, pois parece que nada lhe escapou nesse formidável canteiro de exploração das possibilidades que é a arte do século 20. Uma ambiguidade natural para o artista que vive de paradoxos. Para superar o naturalismo e o espaço pictórico da perspectiva, era preciso ser destruidor e iconoclasta. A questão persiste: será que as distorções da figura humana, que muitas vezes chegam ao limite da caricatura, são a base de novo cânone estético? Ainda é cedo para responder. Há na imensa obra deste criador proteiforme tantas destruições -que parecerão sempre forçadas, mesmo se elas foram interpretadas durante muito tempo como um dos signos maiores da crise deste século- quanto construções -talvez mais felizes no que toca ao volume-, que, no âmbito da liberdade total do uso dos signos, elas postulam um novo sistema de interpretação, equivalente ao que descobrimos sem cessar nas artes denominadas primitivas. Isto faz com que seja possível que, enquanto pintor, ele surja como uma das últimas florações luxuriantes da pintura de cavalete.
Se isto for verdade, esta operação foi conduzida com plena consciência ou ao menos segundo um instinto de rara firmeza. O homem possuía um domínio ímpar das relações humanas e uma vontade de poder bem estruturada. Ilustração perfeita da figura do artista tal como ele se afirma a partir do século 19, ele se posiciona como um demiurgo cuja loucura criativa não conhece limites. Ele soma a esta imagem uma capacidade incomum para a publicidade e a gestão de seus próprios bens. Sua abordagem não lembrava em nada a dos pintores malditos e suas dramatizações. Picasso seguiu uma ascensão sem trégua pela trilha do poder.
As reportagens feitas no final de sua vida conseguiram quebrar as barreiras de sua vida particular, sempre muito bem protegida, com indiscrições autorizadas. Elas mostram um artista cindido entre sua paixão criativa e os prazeres da vida em família e do cotidiano. Tudo isto com base em uma visão comunista, com todas as aparências de uma vida simples sob um sol generoso e benfeitor. Esses estereótipos do artista próximo aos fatos da vida prosaica, terrena, quase camponesa, poderiam nos fazer esquecer a vida mundana dos anos 20. Picasso não hesitava então em exibir um certo luxo e se vangloriava de obter ganhos excepcionais. A ascensão não aconteceu por obra do acaso, e o artista soube gerenciar de maneira excepcional a carreira, recorrendo a escândalos quando necessário.
Os primórdios mostram o vigor e a determinação do artista. Ele se lança de corpo e alma na aventura da arte. Ele absorve tudo que existe de mais audacioso à sua volta, de Toulouse-Lautrec a Gauguin. Quanto a Toulouse-Lautrec, a fascinação era determinada pelas mulheres, sobretudo as prostitutas, apresentadas de maneira assustadora. Em relação a Gauguin, eram suas propostas de espaço inovadoras, o deslocamento do horizonte para a parte superior da tela e a construção pela cor. Nos famosos períodos rosa e azul, o desenho predomina com maestria e autoridade, elegante e harmonizado com tons suaves. Seus temas enfocam o casal e o abraço, assim como o circo. As carícias são delicadas, quase tímidas, repletas de abandono em um mundo de miséria.
Os sentimentos, contidos, parecem não conseguir brotar, e os dois protagonistas essenciais, o homem e a mulher, se entregam a um enfrentamento na busca de uma comunicação real que nunca é atingida. As reuniões familiares (já presentes em ``La Fuite en Egypte'' -A Fuga no Egito-, 1895) parecem muitas vezes apelos a um ideal nostálgico perseguido em vão em uma atmosfera de frustração.
Estas imagens, ao mesmo tempo tristes e suaves, obtiveram um grande sucesso. Para uma parcela do público, elas eclipsam o resto de sua obra. Este não é o menor dos paradoxos do destino de sua obra. Se ela tivesse se restringido a estes trabalhos de iniciante, sem dúvida Picasso seria considerado um artista menor. Os sentimentos, ou sua ausência, aparecem nestes trabalhos com uma emoção real; por outro lado, os desacertos e os preciosismos campeiam. As verdadeiras inovações pictóricas só surgirão mais tarde. As personagens do circo também, estranhas entre si, são prenúncios da capacidade do artista em prol dos travestimentos e disfarces mais radicais. O baile de máscaras está por começar. Durante 60 anos, ele manterá seu público sem fôlego, apresentando um desfile em que alterna os números mais variados e extravagantes.
Em abril de 1904, instala-se definitivamente em Paris, no Bateau Lavoir. Conhece poetas e pintores que terão um papel determinante em suas opções artísticas: Matisse, Apollinaire e Gertrude Stein. Nesta época liga-se a Fernande Olivier. Traz de uma viagem a Andorra, feita no verão de 1906, alguns trabalhos que assinalam o final do período rosa. Figuras femininas cobrem a superfície da tela (``Nu sur Fond Rouge'' -Nu sobre Fundo Vermelho). As formas cheias e ressaltadas dão às pessoas aspectos esculturais, reforçados com a menção à Antiguidade por meio dos olhos cegos e sem pupilas. A desproporção dos corpos maciços marcam o abandono da preciosa elegância anterior. A grande cabeça que pende para a frente em ``Nu sur Fond Rouge'' resulta da exacerbação de um efeito de perspectiva. O contraste da cabeleira escura contra o fundo vermelho realçado sugere uma violência passional, já presente nas telas do período 1900/1901.
A tendência à simplificação das formas e a uma esquematização se acentua. Nos desenhos de 1906/07, o mesmo tipo de rosto lida com massas dominadas pela linha das extremidades do nariz que se estendem até os arcos superciliares. Corresponde à fase preparatória de ``Les Demoiselles d'Avignon'' (1907), que decreta a morte da pintura européia e de seu espaço ilusionista. Todos os elementos constitutivos da pintura tradicional são colocados em xeque e reavaliados segundo um novo cânone intuitivo que determina uma nova aventura. O espaço é construído a partir de planos de cores; não há mais profundidade nem fonte luminosa identificável. Os corpos são deslocados e desmembrados de acordo com uma nova gramática. A influência das artes denominadas primitivas, até então consideradas como monstruosas, imprimem sua marca definitivamente.
A questão da influência da arte negra continua em aberto. O debate progrediu com a grande exposição ``Primitivismo do Século 20'' (MoMA, Nova York, 1984), mas ainda não foi encerrado. Duas das prostitutas colocadas à direita das ``Demoiselles d'Avignon'', pois trata-se de uma cena de bordel -para acentuar o escândalo-, têm rostos com traços tão acentuados, que acreditamos estarem usando máscaras. A forma do nariz e das nervuras faciais elaboradas em uma série de desenhos nos remetem necessariamente a máscaras africanas.
Ao que parece, as máscaras correspondentes (dande da Costa do Marfim, região Etoumbi do Congo, ou mbuya dos Pende, no Zaire) não eram conhecidas em Paris em 1907. Os primeiros exemplares só chegariam alguns anos mais tarde. Podemos, no entanto, imaginar que alguma máscara deste tipo tenha chegado ao Mercado das Pulgas, por meio das aventuras de um missionário ou de um militar. A história da arte não pode dar conta, mediante a informação documental e dos arquivos que possui, de todos os objetos que circulavam na época. Também não nos ajuda em nada evocar uma eventual estatística em um caso de exceção imponderável. No entanto, esta hipótese não pode ser totalmente afastada.
Ao contrário, é o método dos estudos formalistas que deve ser questionado. Parece mais interessante tentar compreender o ponto de partida e o desenvolvimento da mecânica intelectual que levou à obra revolucionária de Picasso. Sabemos que visitou em 1907 o museu de etnografia do Trocadéro, em Paris, quando estavam sendo apresentados os troféus e testemunhos das campanhas coloniais. Panóplias estavam expostas ao lado de vitrinas repletas, em um amontoado que tinha por objetivo exibir o maior número possível de objetos.
André Malraux relatou uma declaração particularmente impressionante de Picasso depois desta visita: "Era horrível. O mercado das pulgas. O cheiro. Eu estava sozinho e queria ir embora. Mas não ia. Ficava, ficava. Compreendi que era importante: alguma coisa acontecia comigo, não? As máscaras, elas não eram esculturas como as outras. Não. Eram intercessores, passei a conhecer o termo a partir daquele momento. Contra tudo, contra os espíritos desconhecidos, ameaçadores. Olhava para os fetiches. E entendi, eu também era contra tudo. Também acredito que tudo é desconhecido, é inimigo (...) Os fetiches têm o mesmo objetivo. Era como se fossem armas. Para ajudar as pessoas a pararem de obedecer aos espíritos, a tornarem-se independentes. Ferramentas. Se damos uma forma às ferramentas, ficamos independentes. Os espíritos, o inconsciente (naquela época ainda não se falava muito dele), a emoção, é a mesma coisa. Entendi porque eu era pintor. Totalmente sozinho naquele museu horrível, com máscaras, bonecas peles-vermelhas, manequins empoeirados, as `Demoiselles d'Avignon' devem ter chegado naquele dia, mas não em decorrência das formas, pois esta foi a minha primeira pintura de exorcismo".
O texto, graças às suas incoerências aparentes e a seu alogismo, é límpido. Foi redigido em 1937 por Malraux a partir de conversas com Picasso. Mesmo que ele incorpore algumas invenções de Malraux, corresponde a relatos recolhidos em conversas por outros interlocutores. Ele traz um certo número de informações primordiais sobre a atitude de Picasso e sobre seu estado de espírito naquele momento. Ele dá conta, antes de mais nada, de um fenômeno simultâneo de atração e de repulsão. Essa mistura de medo e atração, de ordem libidinosa, faz parte das contradições inerentes ao funcionamento psicológico, e é coerente com a explicação de Freud desenvolvida à mesma época.
Como já foi dito várias vezes, a obra de Picasso se encontra frequentemente com a psicanálise e fornece, em vários momentos, uma imagem perfeitamente coerente com ela. Ele utiliza uma série de termos, "magia, intercessores, espíritos", que comprovam até que ponto ele estava impressionado pela força destes fetiches e máscaras. Ele nega de modo acentuado, como fazia frequentemente, a influência formal destes objetos, mas insiste no essencial e no invisível. Ele não tinha dúvida de que fossem receptáculos de poderes tão poderosos quanto misteriosos. Sem dúvida, naquela época, eram ainda mais poderosos e misteriosos do que hoje.
Pertenciam a um mundo selvagem pontuado por rituais assustadores, onde os fantasmas dos sacrifícios humanos e a antropofagia se confundiam. Ele os interpreta como "ferramentas", instrumentos destinados a aniquilar ou neutralizar forças transcendentais e indomáveis. O amálgama se opera entre seus próprios medos e fantasmas e o papel de exorcismo que suas obras poderiam desempenhar para escapar a algumas das pulsões de morte. Esta é a chave essencial de sua obra.
A tela ``Les Demoiselles d'Avignon'', abandonada durante vários meses, foi acabada imediatamente após a visita ao museu de etnografia. A partir de então, o amor e a morte ritmarão implacavelmente o desenrolar de sua obra. Adotarão um caráter ao mesmo tempo obsessivo e monstruoso que não será mais desmentido.
Houve uma insistência exagerada na influência formal que as artes primitivas exerceram no nascimento do cubismo. É verdade que algumas soluções formais surgiram daí, como a metamorfose dos vazios em cheio, como no caso dos olhos que passaram a ser traduzidos por cilindros nas máscaras grebo. Tanto para Picasso quanto para as gerações que o seguiram, as manifestações plásticas e rituais das sociedades na tentativa de superar e vencer medos ancestrais -que todos compartilhamos- exerceram uma fascinação determinada que nunca é desmentida toda vez que ressurgem na arte contemporânea. Será difícil encontrarmos, a não ser em raríssimas exceções, um decalque perfeito de tal ou qual peça africana ou da Oceania. Ao contrário, ele soube impregnar-se do espírito das formas e apreendeu a extraordinária lição de liberdade no tratamento do corpo humano que estas artes propõem. Elas se afirmavam com muito mais força na medida em que se atribuía um uso social e ritual importante. Eram menos emanações de uma fantasia individual do que testemunhos impressionantes de comunidades inteiras exprimindo assim suas crenças sobre a vida e a morte.
Uma foto de 1908 mostra Picasso em seu ateliê em Bateau Lavoir, sentado de frente a um aquecedor de ferro e entre uma harpa punu, um grupo de figuras ioruba e duas flechas da tribo kanak. Ombros caídos, olhar vago, parece perseguido por estes "fetiches" que estão próximos do crânio de um pequeno animal, localizado um pouco acima de sua cabeça. Como se tivesse sido surpreendido pela objetiva, ele, que tinha o hábito de fixar a câmara com seus grandes olhos escuros, parece estar tomado por estas divindades estranhas e por estes espíritos silenciosos que exercem seu poder tutelar sobre o artista, que se torna seu "intercessor".
A estas reflexões complexas e ao golpe inusitado constituído pela estranheza das ``Demoiselles d'Avignon'', impregnadas pela liberação das pulsões apaixonadas, soma-se a descoberta da obra de Cézanne por ocasião da grande retrospectiva que o Salon d'Automne organiza em sua homenagem, logo após a sua morte. O oposto absoluto às violências do museu do Trocadéro se oferece aos visitantes: uma tentativa extraordinariamente coerente de construção do sujeito no âmbito de um grande respeito a uma sensibilidade visual exacerbada.
A exposição exerceu um grande impacto sobre todo o meio artístico, que na realidade ignorava o trabalho desenvolvido pelo velho mestre em seu retiro de Aix-en-Provence. Os historiadores da arte têm uma lastimável tendência a privilegiar as aproximações formais. Neste caso, tendo em vista o nascimento do cubismo, talvez as conversações entre os artistas sobre Cézanne tenham sido mais determinantes para o futuro do que a própria verificação visual de suas obras. A importância da transmissão verbal é sempre minimizada na história da arte, pois não deixa traços para uma disciplina que se alimenta de testemunhos e documentos. A fórmula de Cézanne, tal como foi exposta a Émile Bernard em 1904, "tratar a natureza por meio do cilindro, da esfera, do cone, o conjunto todo colocado em perspectiva", talvez tenha produzido um impacto tão grande em Picasso quanto as próprias obras. Pois, afinal, um exame das obras de Cézanne não fez com que se encontrasse evidências de uma geometria tratada de maneira tão literal quanto Picasso viria a fazer. A ``Cabeça de Mulher'', de 1908, majestosa e autoritária, resulta de uma interpretação a partir de planos e volumes geométricos imbricados. A ``Mulher de Verde'' (1909) nos fornece sua versão pictórica dominada por uma gama de cores que vai do marrom ao verde-oliva, em todas as nuances, surdas ou luminosas.
Em três anos de uma fulgurante invenção criativa, vemos o cubismo se desdobrar por meio de novas idéias que surgem com intervalos de algumas semanas. (...)
Em 1920, os últimos clarões do cubismo o conduzem a composições menos tensas e mais coloridas. A natureza-morta continua a ser um de seus temas prediletos, mas a gama monocromática foi substituída por uma riqueza colorística. O desenho rigoroso e arquitetado dá lugar à fluidez de curvas mais suaves. A construção se opera mesmo em ``Nature Morte'', de 1923, por meio da distribuição de grandes planos de cor em que o desenho somente contribui com o toque de uma referência superficial convencional. Ele continua ligado a essa semântica dos atributos de sua iconografia e não oscila quase nunca na direção da abstração total que é experimentada por seus amigos.
A criatividade bem-humorada e sem limites de Picasso se alimenta basicamente de temas relativamente convencionais (natureza-morta, nu, paisagens etc.) e só existe em função das reações de uma curiosidade sempre alerta diante dos objetos confrontados cotidianamente. A importância dos objetos familiares que permanecem no ateliê ou que o decoram ("arte primitiva") nunca deve ser minimizada.
Ao período de calma tranquila sucede uma visão torturada do ateliê. Em ``Interior com Cavalete'' (1926), o colorido se anuncia macabro, e as pernas de um gesso clássico são contorcidas de forma inquietante. A quimera monstruosa que começa a frequentar os redutos sombrios do ateliê não demora a surgir na forma do minotauro, monstro destruidor e devorador. Uma de suas versões mais surpreendentes é aquela que realiza em 1928, em forma de colagem, e que será reproduzida em tapeçaria para Marie Cuttoli, em 1935. O desenho, de uma elegância contida, se impõe por seu grande formato e pelo domínio do efeito do movimento, que se opõe aos planos de fundo e à estranha "meia" de reflexos achamalotados.
Com obras como esta, Picasso flerta com o surrealismo, que se impunha na época nos meios de vanguarda em Paris. Torna-se ao mesmo tempo a encarnação das angústias e dos perigos que marcam os anos 30. A corrida torna-se desenfreada com ``O Acrobata Azul'', de 1929. A distribuição dos membros e da cabeça em torno de um eixo que substitui o tronco produz uma figura radial encaixada nos limites da tela. Os membros-raios fazem com que a progressão deste contorcionista, mais do que acrobata, se dê por meio de volteios.
A desarticulação e a distorção do corpo se acentua ainda mais nas figuras femininas do final dos anos 20. ``Mulher Deitada'', de 1929, ostenta de maneira provocadora as zonas erógenas de seu corpo; o resto é reduzido a protuberâncias tentaculares e angulosas. Breton dizia de Picasso que ele não tratava a mulher como sujeito, mas como objeto. A propensão, sempre presente, de representar seu entorno imediato o leva a retratar Marie-Thérèse Walter na forma do busto que acabara de fazer (``Mulher com Tulipas'', 1932). Sua ligação afetiva recente lhe proporciona um equilíbrio sensível tanto na associação do rosto da mulher amada com as flores e as frutas quanto na alegria equilibrada das cores. É a mesma companheira que o inspira na série de corpos femininos tratados como curvas condensadas que terminam em pontas, como no desenho ``Minotauro e Nu'' (1933). O animal-monstro que tenta travar o vôo feminino não é mais que a encarnação do artista.
O ano de 1935 é, segundo o próprio artista, um dos piores de sua vida. Ele passa por fortes tensões. Não consegue se divorciar de Olga e Marie-Thérèse fica grávida. Picasso fica tão deprimido que pára de pintar durante vários meses depois de ter executado ``La Musa'' (1935). Como antídoto à pressão que o aflige, a cena descreve duas jovens mulheres fechadas em um aposento com as cortinas fechadas. Sob a proteção tranquilizadora de um buquê de flores, uma delas dorme, enquanto a outra se entretém em desenhar à frente de um espelho. A atmosfera fantasmática é a de uma vida reclusa repleta de calma e tranquilidade. Depois das formas redondas de 1933, as figuras angulosas retornam. As mãos se alongam como espigas de trigo. As cores se tornam frias e estridentes.
Alguns de seus admiradores se inquietam frente às vicissitudes e lhe constrangem a voltar às grandes composições clássicas dos anos 20. Ele efetivamente volta à pintura da história, se assim podemos dizer, em 1937, mas cria uma nova surpresa: nunca está onde esperávamos que estivesse. ``Guernica'' é um testemunho político vibrante que mistura elementos míticos, a emoção dramática e as referências à pintura antiga com aquele estilo no qual os elementos deslocados e fragmentados tornam-se significantes, linguagem na qual ele havia se tornado mestre.
Como antes, uma composição desta importância não o afasta de seu meio ambiente e da inspiração que ele lhe abre. Ele continua a fazer retratos de suas companheiras -agora sua musa é Dora Maar- e daqueles que estão à sua volta. A partir do fim dos anos 30, começam a surgir as inumeráveis variações sobre o rosto humano, principalmente o feminino. Eles se tornarão a imagem caricatural do estilo Picasso para o grande público. Podemos encontrar neles todas as grandes invenções do pintor: a geometrização dos traços e a exacerbação dos olhos (``Mulher Sentada na Poltrona'', 1941), a combinação das abordagens de frente e de perfil (``Retrato de Mulher com Colar Malva'', 1937), chegando às vezes a um verdadeiro desdobramento em um jogo cromático negativo-positivo (``Mulher com Gato'', 1964) ou mesmo um triplo desdobramento com a inserção de um perfil no rosto frontal e a repercussão do perfil invertido em sombra projetada (``Jacqueline Sentada com Cachorro'', 1961); o deslocamento de elementos, tal qual surgiu nos anos 20, repuxando um olho em uma posição aberrante em vertical; as cenas de família com afetividade mais ou menos comunicativa (``A Família'', 1965); a pesquisa da semelhança, nem sempre bem-sucedida (``Retrato de Sylvette'', 1953); o expressionismo respingante e desenfreado (``Matador e Mulher'', 1970).
Todos eles traduzem em uma linguagem de signos recém-elaborados a sensibilidade e a emoção de um artista radical e inspirado diante do teatro humano onde a sexualidade se afirma com uma evidência raramente conhecida no Ocidente até então. ``O Pintor e Seu Modelo'' (1963), retomado a partir de inúmeras versões, fornece-nos a ilustração exata disso, associando a presença do casal, o fantasma do ato e o prazer do voyeur. Quando as relações do casal se tranquilizam, como ocorreu com Jacqueline em meados dos anos 50, o ateliê esboçado em alguns traços e superfícies de cores leves e luminosas irradia esta felicidade, embalada pela lenta oscilação da cadeira de balanço, e abre os horizontes para incluir a paisagem de palmeiras (``La Californie'', 1956).
Seria ele mais bem-sucedido na pintura da tragédia humana do que da felicidade? A feitura rápida, o traço incisivo, o deslocamento do corpo, as variações radicais de escala concorrem para conferir às cenas dramáticas sua amplitude mais favorável. Não é de surpreender, portanto, que Picasso tenha se concentrado e se obstinado no tempo das touradas (``Cenas de Tauromaquia'', 1955). Além das lembranças e da fidelidade à cultura hispânica, a tauromaquia lhe oferece componentes da aventura humana. O risco do toureiro é total, ele se mede com a morte; o touro está condenado de antemão; o homem e o animal, porém, estarão unidos durante o combate. O todo se perfaz frente à multidão reunida, que revive a tensão do drama que se desenrola diante de seus olhos.
Perseguido pela morte, fascinado pelos riscos que o toureiro enfrenta para proporcionar prazer ao público, Picasso não podia deixar de estabelecer um paralelo com sua própria atividade. Em um mundo que se esforça em apagar todas as manifestações rituais da morte, era natural que a tourada se impusesse. Misturando estreitamente os dois protagonistas em um turbilhão de violência, ele restitui a este rito, além dos vestígios da tradição, seu impacto na consciência coletiva de uma sociedade que gostaria de apagar a morte e fazer desaparecer a desaparição.
Podemos imaginar que o choque que Picasso sentiu no museu etnográfico em 1907 foi determinante para a sua carreira. Naquele momento, atribuiu a seu trabalho o papel de intercessor frente às forças obscuras que sentia habitarem nele. Talvez nunca tenha deixado de lado essa visão que agiu com tamanha força sobre seus sentidos, tanto que chega a mencionar também os odores. Picasso criou sem cessar objetos estranhos e monstruosos, receptáculos de emoção e portadores de signos que ressoam, hoje mais do que nunca, como equivalentes das obras da África, da América e da Oceania, que inquietam e fascinam devido ao desconhecido que carregam em seu bojo.
Sem cair num universalismo idealista e ingênuo (as obras de Picasso são ilegíveis para muitos africanos), parece ser o artista que conseguiu fazer a ponte entre nosso imaginário coletivo e uma imagética que rompe com o naturalismo do Renascimento, como muitos dos objetos denominados "primitivos" funcionam no seio de ritos destinados a uma conciliação com as forças transcendentais. Sua pintura é a de um intercessor entre o invisível, a metafísica -os deuses, teríamos dito outrora- e os mortais, habitados por temores e prazeres, que ele soube encarnar num fogo de artifício de pinturas que é talvez o último da arte ocidental.
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Cronologia
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| 1881 25 de outubro. Nasce em Málaga Pablo Ruiz Picasso, filho de Maria Picasso Lopez e José Ruiz Blasco, artista e professor da escola de arte e desenho industrial de San Telmo. 1891 Seu pai é nomeado professor da escola de arte Da Guarda, em La Coruña. 1893/94 Pablo dá início a seu trabalho artístico sob a orientação do pai. 1895 O pai de Pablo é nomeado para a Academia La Lonja em Barcelona. A família transfere-se para Barcelona e passa o verão em Málaga. 1896 Freqüenta as aulas de desenho de La Lonja; é muito elogiado nos exames de admissão à escola. 1897 Faz parte de grupo boêmio de Barcelona; a primeira exposição é realizada em Els Quatre Gats, a sede do grupo; a primeira crítica sobre seu trabalho é publicada em La Vanguardia. Faz amizade com Jaime Sabartés e outros jovens artistas e intelectuais, que o introduzem no universo dos movimentos de pintura modernos (Toulouse-Lautrec, Steinlen etc). Seu quadro Ciencia y Caridad (Ciência e Caridade) recebe menção honrosa em Madri. No outono é admitido no curso de pintura da Academia Real de San Fernando em Madri. 1898 Deixa a academia. Passa algum tempo em Horta de Ebro para descansar. Seu quadro Costumbres de Aragon (Hábitos de Aragão) recebe prêmios em Madri e Málaga. 1900 Desenhos seus foram publicados na revista Joventut (Barcelona). Viaja pela primeira vez a Paris na companhia de Casagemas. Vende três rascunhos a Berthe Weill. Volta a Barcelona no final de outubro. 1901 Funda com Soler, em Madri, a revista Arte Joven. O primeiro número é todo ilustrado por ele. Segunda viagem a Paris com Jaime Andreu. Mora na residência de P. Mañach no Boulevard de Clichy, 130. Faz exposição de trabalhos em pastel no Salon Parés (Barcelona). Críticas elogiosas são publicadas em Pel y Ploma. Expõe no espaço Vollard em Paris. Crítica positiva é publicada em La Revue Blanche. Encontra Max Jacob e Gustave Coquiot. Tem início o período azul. Passa a assinar seus trabalhos simplesmente como "Picasso"; anteriormente assinava "Pablo Ruiz y Picasso". No final do ano retorna a Barcelona. 1902 Expõe 30 trabalhos no espaço de Berthe Weill em Paris. Viaja pela terceira vez com Seb. Junyer. Divide um quarto com Max Jacob no Boulevard Voltaire. 1903 Volta a Barcelona. Divide estúdio com A.F. de Soto. 1904 Instala-se em Paris. Passa a morar em Bateau-lavoir, Rua Ravignan, 13. Final do período azul. 1905 Encontra Guillaume Apollinaire, Leo e Gertrude Stein etc. Shchukin e Leo Stein compram algumas de suas pinturas. Conhece Fernande Olivier. Viaja no final do ano para a Holanda a convite de Tom Schilperoort. Início do período rosa. Começa a fazer esculturas e gravuras. 1906 Conhece Matisse que, juntamente com os fauves, chocara o público no Salão de Outono do ano anterior. Passa o verão em Gosol, no norte da Espanha, com Fernande Olivier. Época de transição para esculturas. 1907 Conhece D.-H. Kahnweiler, que abre uma galeria e se torna marchand de Picasso, assim como seu melhor amigo. Conhece Braque e Derain. Visita a exposição de Cézanne no Salão de Outono. Começa a fase cubista com Les Demoiselles d'Avignon. 1908 Passa o verão em Horta do Ebro com Fernande Olivier. Faz as primeiras paisagens claramente cubistas. Passa a morar no Boulevard de Clichy, 11. Faz a primeira exposição na Alemanha (Galeria Thannhauser, Munique). 1910 Passa o verão em Cadaqués, com Fernande Olivier e André Derain. Florescimento do cubismo. Faz retratos de Vollard, Uhde, Kahnweiler. 1911 Passa o verão em Céret com Fernande Olivier, Braque e Mariolo. Primeira exposição nos Estados Unidos (Galeria Photo-Secession, Nova York). Kahnweiler publica Saint Matorel, de Max Jacob, com ilustrações de Picasso. Rompe a superfície e os volumes, facetando-os. 1912 Faz amizade com Marcelle Humbert ("Eva"); passa o verão em Avignon, Céret e L'Isle-sur-Sorgue. Muda-se para o Boulevard Raspail, 242. Faz sua primeira exposição em Londres (Galeria Stafford, Londres). Expõe em Barcelona (Galeria Dalman). Dá início às colagens. 1913 Passa o verão em Céret com Braque e Juan Gris. Morte do pai de Picasso em Barcelona. Muda-se para Rua Schoelcher, 5bis. Inicia o cubismo sintético. 1914 Passa o verão em Avignon com Braque e Derain. 1915 Faz retratos com desenhos realistas de Vollard e Max Jacob. 1916 Muda-se para Montrouge (Rua Victor Hugo, 22). 1917 Vai a Roma com Cocteau para criar cenografia para o balé Parade, dirigido pelo grupo de Diaghilev, Os Balés Russos. Mantém contato com o mundo do teatro. Encontra Stravinsky e Olga Koklova. Visita museus e vê arte antiga e do período do Renascimento. em Roma, Nápoles, Pompéia, e Florença. Passa o verão em Barcelona e Madri. 1918 Casa-se com Olga Koklova. Muda-se para a rua La Boétie, 23. Passa o verão em Barcelona e em Biarritz. 1919 Vai a Londres e faz desenhos para Le Tricorne. Passa o verão em Saint-Raphaël. 1920 Faz cenários para Pulcinella, de Stravinsky. Passa o verão em Juan-les-Pins. Surgem temas clássicos em seus trabalhos. 1921 Nascimento de Paul. Faz muitos desenhos da mãe com a criança. Faz cenário para o balé Cuadro Flamenco. Passa o verão em Fontainebleau. Faz as duas versões de Os Três Músicos e Três Mulheres na Primavera, trabalho usando diversos estilos. 1922 Passa o verão em Dinard. Auxilia Cocteau nos cenários de Antigona. 1923 Passa o verão em Cap d'Antibes. 1924 Passa o verão em Juan-les-Pins. Faz cenários para o balé Le Mercure; desenha a cortina para o Le Train Bleu. Dá início à série de grandes naturezas mortas. 1925 Passa a primavera em Monte Carlo e o verão em Juan-les-Pins. Participa da primeira exposição dos surrealistas na Galeria Pierre em Paris. Além dos trabalhos clássicos, produz suas primeiras obras que apresentam uma violência contida. 1926 Passa o verão em Juan-les-Pins. 1927 Passa o verão em Cannes. 1928 Passa o verão em Dinard. Faz uma série de pequenas pinturas com cores vivas, com formas audaciosamente simplificadas. Dá início a um novo período em suas esculturas. 1930 Verão em Juan-les-Pins. Adquire o Castelo de Boisgeloup, perto de Gisors, e nele monta seu estúdio de esculturas. 1931 São publicados Le Chef-D'oeuvre Inconnu de Balzac (Vollard) e as Métamorphoses de Ovídio (Skira), ambos ilustrados com gravuras de Picasso. 1932 Exposições retrospectivas em Paris (Galeria Georges Petit) e em Zurique (Kunsthaus). Um novo modelo, Marie-Thérèse Walter, começa a aparecer nas pinturas de Picasso. 1933 Viagem a Barcelona. 1934 Longa viagem à Espanha. Passa a pintar touradas. 1935 Separação definitiva de Olga Koklova. Nascimento de Maia, filha de Marie-Thérèse Walter e do pintor. Passa a viver em Boisgeloup, onde compõe vários poemas. 1936 Início da Guerra Civil Espanhola. Faz exposição itinerante pela Espanha. É nomeado diretor do Museu do Prado. Passa o verão em Juan-les-Pins e em Mougins. Começo da amizade com Dora Maar. 1937 Seu estúdio era situado em Grenier de Barrault (rue des Grands-Augustins, 7). Edita gravura Sueño y Mentira de Franco (Sonho e Mentira de Franco) com texto satírico de sua própria autoria. Depois do ataque aéreo em Guernica (em 28 de abril) pinta o mural para o Pavilhão da República Espanhola (Feira Mundial de Paris). 1939 Grande exposição retrospectiva é feita em Nova York (Museum of Modern Art). Morre a mãe de Picasso em Barcelona. Passa o verão em Antibes. Depois do início da Segunda Guerra Mundial, volta a Paris e em seguida vai a Royan, cidade próxima de Bordeaux. 1941 Escreve uma peça surrealista Desejo Pego pela Cauda. Começa a série Mulher na Poltrona. 1942 Publicação de ilustrações com gravuras em água-tinta para o livro Histoire Naturelle de Buffon. 1944 Paris é liberada. Picasso tem sala especial no Salão de Outono. Ele adere ao Partido Comunista. 1945 Exposição em Londres (Victoria and Albert Museum). Volta a fazer litografias no estúdio de Mourlot. 1946 Passa longo tempo na Riviera Francesa. Encontra Françoise Gilot. No outono trabalha em Antibes, no Museu Grimaldi. Dá início à série de pinturas que têm por tema a alegria de viver. 1947 Nascimento do filho Claude. Faz litografias no ateliê de Mourlot. Começa a fazer cerâmica na fábrica Madoura de propriedade da família Ramié, em Vallauris. 1948 Participa do Congresso pela Paz em Wroclaw, Polônia. Passa a morar em Vallauris. Exposição de cerâmicas na Masion de la Pensée Française (Paris). 1949 Nasce sua filha Paloma. Expõe trabalhos iniciados a partir do início da guerra na Maison de la Pensée Française. A Pomba de Picasso é usada em cartaz do Congresso pela Paz de Paris e se torna símbolo universal. 1950 Exposição especial na Biennale de Venezia. 1951 Muda-se para a rua Gay-Lussac, 9. Expõe esculturas na Maison de la Pensée Française. Faz exposição retrospectiva em Tóquio. Pinta Massacre na Coréia. 1952 Pinta Guerra e Paz em Vallauris. 1953 Exposições retrospectivas em Lyon, Roma, Milão, São Paulo. Separa-se de Françoise Gilot. 1954 Passa o verão em Collioure e Perpignan. Pinta a série Sylvette. Inicia uma série de estudos com base em As Mulheres de Argel, de Delacroix. 1955 Morte de Olga Koklova, sua ex-mulher. Adquire a villa La Californie em Cannes. Expõe no Musée des Arts Décoratifs e na Bibliotèque Nationale em Paris e na Alemanha. 1956 Faz série de cenas de interiores de estúdios. 1957 Exposição retrospectiva em Nova York. Faz série de estudos baseado em As Meninas, de Velázquez. 1958 Pinta o mural do prédio da Unesco em Paris. Adquire o castelo de Vauvenargues, perto de Aix. 1959 Expõe linóleos e desenhos na galeria Louise Leiris, em Paris. 1960 Explora temas com naturezas mortas e interiores de inspiração espanhola. 1961 Faz estudos sobre Déjeuner sur l'herbe, de Manet. Casa-se com Jacqueline Roque. 1962 Série sobre o tema "Rapto das Sabinas" 1963 Série sobre o tema "O Pintor e seu Modelo". 1964 Série sobre o tema "O Pintor e seu Cavalete". 1965 Publicação de Sable Mouvant, de Pierre Reverdy com água-tintas de Picasso. 1966 Seus 85 anos são comemorados com três exposições simultâneas em Paris. 1967 São feitas exposições comemorativas em Londres e nos Estados Unidos. Ele volta a temas mitológicos. 1968 Completa a Suite 347 entre março e outubro. A série integra 347 gravuras, a maioria com temas eróticos. Depois da morte de seu secretário e confidente Jaime Sabartés, ele doa sua série sobre As Meninas ao museu Picasso, de Barcelona. 1969 Pinta 140 telas que são expostas no ano seguinte no Palais des Popes em Avignon. 1970 Doa 2.000 telas a óleo e desenhos ao Museu Picasso de Barcelona. 1971 Seus 90 anos são comemorados com exposição na Grande Galerie do Museu do Louvre. Torna-se o primeiro artista a receber esta honraria. 1972 Trabalha quase que somente com preto-e-branco em seus desenhos e gravuras. 1973 Morre em 8 de abril em sua vila em Mougins, França. Sua primeira exposição póstuma (em maio) incluiu trabalhos feitos entre 1970 e 1972 no Palace de Popes, em Avignon. | |
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