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XA-80
1995. Técnica mista (látex e pigmentos) s/ tela, 250X200 cm. Coleção do artista





XA-70
1995. Técnica mista (látex e pigmentos) s/ tela, 200 X 200 cm. Coleção do artista



 


 


Ferrán García-Sevilla

Por Pablo Rico

Podemos reconhecer neste século, com segurança, atitudes decididamente radicais e combativas contra o poder da matéria artística convencional e sua presença inefável. Mas não sei até que ponto, ou por que neste único sentido, se pode argumentar a excepcionalidade da mencionada desmaterialização. É evidente, agora mais do que nunca, que a história da arte neste século tem sido a história de uma imensa vontade coletiva de alcançar e ultrapassar os limites - do que seja e como seja - de viver numa situação permanente de precariedade e tensão inquietantes e ficar rondando os territórios daqueles que estão fora de tudo quanto é norma, convenção ou status quo. Creio que é sob esta condição essencial do nosso tempo que o processo de desmaterialização na arte pode ser considerado como significativo, uma transgressão a mais, assim como foram os processos de desconstrução e decodificação icônica, depredação simbólica, desaprendizagem, desautorização crítica, por exemplo. Em todos estes conceitos e ações prevalece um ponto de referência fundamental, sobre quaisquer outras causas e conseqüências reconhecíveis. Trata-se do artista, dotado não só de argumentos estéticos, psicológicos, sociológicos ou técnicos, como poderíamos interpretar a história da arte até o Romantismo, também possuidor de sólidas e profundas concepções antropológicas, científicas, éticas e ideológicas. São eles, os artistas, os que têm representado com maior eficiência o universo descontínuo e indeterminado, os que sofreram em suas próprias convicções a história como catástrofe permanente, os que tiveram de sucumbir por necessidade às mais vergonhosas contradições (entre a sutil virtualidade de suas idéias e a grosseira densidade dos interesses do mercado, por exemplo). Qualquer outra leitura que se fizesse atribuindo o anonimato ao que foram vontades com nome e sobrenome poderia pecar por ser genérica e superficial, embora tivesse a melhor intenção de definir aproximadamente um território de pensamento e experiência tão complexo como é a arte do nosso século.

Por isso centrei prioritariamente meu compromisso na eleição do artista que expressou essa vontade, essa atitude vital, no contexto da arte espanhola. Por muitos motivos Ferrán García-Sevilla representa - como poucos - este ser e sentir o mundo, e evidencia em seu trabalho a confusão e a ansiedade a que se viram submetidos os artistas nestes tempos de descrença e indiferença generalizados. O artista não crê nem estabelece certezas (na realidade, estas não existem ou são meros simulacros); sua principal virtude é suspeitar de tudo, inclusive da sua própria obra e da sua maneira de pensar, sentir e experimentar.

"Ao contrário de como se expressam outros artistas, não sei qual é o meu objetivo final. Nem tampouco se ele existe. Neste sentido, navego sem rumo fixo. Creio que se soubesse deixaria de pintar. Apenas conheço o que meus braços realizam. Pouco me importa o que faço. Continuamente comprovo uma forte atração para experimentar sensações novas e em primeiro lugar aquelas mais arriscadas, ou a redefinir as já conhecidas (...) Continuamente limpo tudo e começo de novo. Sou muito exigente e duro comigo mesmo. Trato continuamente de sair dos limites das regras, inclusive das minhas e de tudo aquilo que pode ser explicado facilmente em quatro palavras. Já dizia o sábio, enquanto existir a gramática vamos crer em Deus. Interessa-me mais o sentido do que o significado concreto de uma idéia. As idéias tais como vêm, se vão. Normalmente se parecem com uma miragem. Ou são convenções. Conservam-se por preguiça. Quanto mais se as retém, menos se as tem. Quanto mais se fixam, mais se crêem. Quanto mais se crêem, mais limitam. Crer nas próprias idéias é comer os olhos com a pretensão de ver mais (...)." In Arc Voltaic nº. 14, primavera, 1983, Barcelona.

Ferrán García-Sevilla realizou durante os últimos 17 anos, a partir daquelas palavras testemunhais, um trabalho criativo e intelectual excepcional, realmente assoberbante e surpreendente, mais ainda se o colocamos em relação com sua proverbial ironia e distanciamento sobre quase todas as coisas da arte e da vida.

Em 1995, foi publicado um texto de García-Sevilla dedicado a Tàpies. O título pode ser considerado como característico da linguagem direta de García-Sevilla: "Sou um tolo porque cada vez compreendo menos".

García-Sevilla, referindo-se a Miró e Tàpies, reconhece sua dúvida na exemplaridade destes dois artistas e sua então convicção de que a arte era algo possível nele. Sua experimentação seguiu um sentido pessoal e intransferível: "É preciso construir um caminho e uma forma própios (...) Um modo pessoal, pois não falo de um sistema de estilo, mas de uma forma de estar no mundo. Saber estar no mundo me parece muito mais sutil do que ser algo neste mundo. E essa força de estar, essa energia, é essencial e associal, porque nenhum de nós nos parecemos, ainda que nunca falte a intenção do contrário". O artista reivindica o impulso primitivo, original, geralmente em desacordo com os sistemas herdados do tipo moral, político ou estético.

Noutro momento do texto dedicado a Tàpies, García-Sevilla expõe sua interpretação do mundo atual: "A impossibilidade de um conhecimento total gera o medo do fracasso. Medo e ansiedade na falta de aceitação por parte dos outros. Vivemos num mundo de conhecimentos parciais, fragmentados, submetidos a revisão contínua, que situam o artista, o cientista, a qualquer um, frente a uma nova dimensão do real, de sua relação com o mundo, no que não podemos assentar-nos em nenhuma certeza permanente. Contra a fé na unidade, na totalidade, parece-me mais prático a renúncia e a utilização de preconceitos, interesses e circunstâncias proveitosas". Como alternativas para tal estado de coisas, García-Sevilla duvida das atitudes excessivamente subjetivas de alguns artistas e portanto, da ignorância e frivolidade do mercado ou das indústrias culturais; tampouco crê na cultura da sobrevivência existencial.

O trabalho do artista talvez seja o de remover o tédio e a opacidade do mundo, retificar a inércia e gravidade de seu vaguear indeterminado. Como expunha Italo Calvino em seu ensaio sobre a Leveza: "Em todos os momentos em que o reino do humano me parece condenado ao tédio, penso que deveria voar como Perseu a outro espaço. Não falo de fugas para o sonho ou para o irracional. Quero dizer que mudaria meu enfoque, olharia o mundo com outros olhos, outra lógica, outros métodos de conhecimento e verificação. As imagens de leveza que busco devem se dissolver como sonhos pela realidade do presente e do futuro..."

Precisamente esses são alguns dos valores, qualidades e especificidades das pinturas de Ferrán García-Sevilla que estão sendo apresentadas na 23ª Bienal Internacional de São Paulo. Uma bela metáfora visual de um mundo que não tem mais conserto do que se aliviar de sua excessiva densidade material. Do contrário, não há futuro, ou não vale a pena torná-lo possível.



Cronologia


Nasceu em Palma de Mallorca, Espanha, em 22 de outubro de 1949. Vive e trabalha em Barcelona, Espanha.


Exposições individuais

1995
Ferràn García-Sevilla 1985-1995, Palacio de Sast, Diputación de Zaragoza, Sástago, Espanha.
1992
Ferràn García Sevilla, Galería Luis Adelantado, Valencia, Espanha.
1990
Sama, Lelong Gallery, Nova York, Estados Unidos.
1989
Poligon, Casa de la Caritat, Barcelona; La Torre de Papel, Palácio de Velázquez, Madri, Espanha.
1988
Cien, Galerie Leiong, Paris, França.
1987
Peintures 1980-86, Musée de Beaux-Arts, Nîmes, França; Mona, Galerie Kicken-Pauseback, Colônia, Alemanha; Pinturas, Galerie Buchmann, Basiléia, Suíça; Biennale di Venezia, Pavilhão Espanhol, Itália.
1985
Cuatro Paredes, Galería Juana de Aizpuru, Madri; Pariso, Galerie Yvon Lambert, Paris, França.
1984
Pintures, Galerie Brinkman, Amsterdã, Holanda.
1983
Pintures, Galerie Medamontni, Montpellier, França.
1981
El Viatge Més Absurd, Galería Maeght, Barcelona, Espanha.


Exposições coletivas

1994
Artistas Españoles. Obras de los Años 80 y 90, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madri, Espanha. Ideas and Attidedes, Cornehouse, Manchester/John Hansard Gallery, Southampton, Inglaterra.
1993
10 Pintores/10 Escultores de los Ochenta, Pabelión Mudéjar, Sevilha, Espanha; Arte Español Contemporáneo, Museu Marugame Hira, Marugame; Japão.
1992
Art a Espanya: 1920-1990, Palau de la Virreina, Barcelona, Espanha/Museo Rufino Tamayo, México, D.F./Museo de Arte Moderno, Bogotá, Colômbia/Museo de Arte Contemporáneo Sofía Imber Caracas, Venezuela; Antoni Tàpies et Ferràn García-Sevilla, Salle de la Redoute Ville de Châtellerault, França; Pasajes: Actualidad del Arte Español, Pabellón de España, Exposición Universal, Sevilha, Espanha. XII Salón de los 16, Resumen Primero, Pabellón Mudéjar, Sevilla/Museu Español de Arte Contemporáneo, Madrid, Espanha.
1991
Kunst, Europa, Kunsthalle Berlin, Berlim, Alemanha; 100 Paintings: Spanish Art in the 20th Century, from Picasso to the Present Day, Mie Prefecture Art Museum, Mie, Japão; Exhibition Hall, Hanshin, Osaka, Japão.
1990
30 Jahre Spanische Malerei und Skulptur 1960 bis zur Gegenwart, Kunstverein, Hannover, Alemanha.
1989
Die Spanische Kunst in der Sammlung, Städtlische Kunsthalle Mannheim Kunstmuseum Düsseldorf, Alemanha.
1988
Época Nueva: Painting and Sculture from Spain, The Chicago Public Library, Chicago, Estados Unidos.
1987
Documenta 8, Kassel, Alemanha; Cinq Siècles d'Art Espagnol, Musèe d'Art Moderne de la Ville de Paris, Paris.
1986
Spanische Bilder, Kunstverein Hamburg, Württembergischer Kunstverein, Stuttgart, Alemanha.
1986
La Presencia de la Realidad en en Arte Español Contemporáneo, Museo de Arte Contemporáneo San Martin, Buenos Aires, Argentina/Museo Nacional de Artes Plásticas, Montevidéo, Uruguai/Museo de Arte Contemporáneo, Caracas, Venezuela/Museo de Arte Moderno Bogotá,Bogotá, Colômbia/Galería de Arte Moderno, Santo Domingo, República Dominicana.
1985
5 Spanish artists Artists Space, Nova York, Estados Unidos; Miquel Barceló, Ferràn García Sevilla, Jose Maria Sicilia, Riverside Studios, Londres, Inglaterra; Europalia 85, España, Museum van Hedengaagse Kunst Gent Maison de la Culture, Namur, Bélgica.
1983
Spansk egen-art, Liljevalchs Konsthall, Estocolmo, Suécia.
1982
26 Pintors, 13 Crítics, La Caixa, Barcelona, Espanha.